Lições de viagem

 

London, London

 

I’m wandering round and round, nowhere to go I’m lonely in London, London is lovely so I cross the streets without fear Everybody keeps the way clear I know I know no one here to say hello I know they keep the way clear I am lonely in London without fear I’m wandering round and round, nowhere to go

Caetano Veloso

 

Vou tomar a liberdade, neste artigo, de compartilhar com o amigo internauta alguns sentimentos pessoais misturados com algumas impressões e lições colhidas na viagem que estou fazendo com minha esposa em comemoração às nossas bodas de prata. A idéia me veio à cabeça depois de ler o delicioso artigo da Circe Brasil, intitulado Ir à França é Chic, nestas mesmas Iscas Intelectuais.

A rápida viagem terá apenas dois destinos, Londres e Paris, cidades que conheço razoavelmente bem, tendo estado em cada uma delas pelo menos outras três vezes.

Chego a Londres e encontro a cidade do mesmo jeito de sempre nessa época do ano. Frio, céu carregado e muita chuva. As pessoas, acostumadas com o clima, não se deixam abater e vão para as ruas com seus pesados casacos, gorros e cachecóis. No fim de semana o Hide Park está cheio de famílias passeando, adultos e crianças jogando futebol – em Londres não há campos de várzea, verdadeira fábrica de craques em nosso país – e jovens de todas as idades fazendo seu jogging.

Eficiência e confiança – Primeiro inconveniente: vou comprar um sanduíche e descubro que a cédula de 20 libras que eu ia utilizar para o pagamento não vale mais. Fora guardada de uma viagem em 1995 e de lá para cá as cédulas foram trocadas na Inglaterra. O mesmo já havia me acontecido uma outra vez, de tal forma que não me surpreendi quando a pessoa que recusou a cédula informou que eu poderia trocá-la na segunda-feira em qualquer banco, sem a menor dificuldade. Dito e feito. Na segunda, logo pela manhã, parei numa agência vizinha ao hotel, fui ao caixa e pedi para trocar as três cédulas antigas de 20 libras que eu guardara comigo nesses 12 anos. A atendente, com um enorme sorriso, fez a troca imediatamente, sem qualquer pergunta ou necessidade de preencher qualquer formulário. Não pude evitar um comentário com a minha mulher: imagine se fosse no Brasil. Como a troca das notas já havia sido realizada há muito tempo, provavelmente para conseguir fazer a mesma operação eu teria que dar uma série de explicações, ir a uma determinada agência de um banco oficial, preencher formulários e documentos e – quem sabe – conseguiria obter as novas cédulas.

Negociação – Outra lição, esta de negociação, ocorreu no exato dia do nosso aniversário de casamento, 12 de fevereiro. Seguindo indicação do Prof. Marcos Paulino, fomos jantar num restaurante super gostoso, o Galvin, pertinho do Museu de Cera de Madame Tussaud. Na mesa ao lado da nossa, dois senhores passaram o tempo todo negociando uma grande compra para a famosa grife Hugo Boss. O processo de negociação – que perdurou durante todo o tempo do nosso jantar – foi uma verdadeira aula, de parte a parte. Tanto é verdade que ficamos em dúvida sobre quem era o vendedor e quem era o comprador. Cada um fazendo a sua parte, combinando um comportamento que era ao mesmo tempo atencioso mas sem qualquer sinal de insistência ou pressão, foram alternando a negociação com as sucessivas fases do jantar – entrada, prato principal e sobremesa – até chegarem a um final que, pelo menos aparentemente, foi bom para os dois lados, naquilo que os especialistas chamam de negociação ganha-ganha. O vendedor saiu com a certeza de ter feito uma ótima venda, assim como o comprador foi para a casa certo de ter feito uma excelente compra. Tudo com a maior civilidade, num ambiente espetacular. Pena que nem todos encarem negociações com esse mesmo espírito, acreditando ainda que o que vale é “levantar vantagem em tudo, certo?”

Noção de espaço – Se o amigo internauta está indignado com o fato de termos prestado tanta atenção ao que se passava na mesa ao lado em pleno jantar de comemoração de nossas bodas de prata, saiba que em Londres, como de resto em boa parte da Europa, a noção de espaço é bem diferente daquela que vigora no Brasil, nos Estados Unidos ou em outros países de dimensões continentais. Como o espaço é um bem bastante escasso, tanto as residências como os estabelecimentos comerciais procuram aproveitá-lo da melhor maneira possível. E os restaurantes são prova inconteste disso, com mesas muito próximas umas das outras, deixando apenas um intervalo suficiente apenas para que mâitres e garçons passem espremidos entre elas. Os banheiros, também minúsculos, embora quase sempre irrepreensivelmente limpos, costumam ocupar um andar diferente, inferior ou superior, todas as vezes que isso é possível.

Tradição – Londres, ao contrário de Paris, não é uma cidade que encanta à primeira vista. O céu quase sempre cinzento e o excesso de chuva contribuem bastante para isso. Os habitantes típicos, educados, mas frios e distantes, também ajudam. Porém, à medida que você vai descobrindo os encantos e, sobretudo, a extraordinária multiplicidade de atrações que a cidade oferece, não há como deixar de reconhecer que é um lugar especial. Sua história – presente em cada esquina, e não apenas em seus fantásticos museus – lembra a todo o momento que você está numa cidade que foi, por mais de um século, a capital da nação que deteve, incontestavelmente, a hegemonia mundial. E os ingleses cultuam suas tradições como ninguém. O respeito e a admiração que nutrem pela rainha Elizabeth II é apenas uma das provas mais evidentes disso. Jamais vou esquecer que na primeira vez que estive em Londres ouvi de um guia local a seguinte expressão: “Tradition is tradition”. Pobre da cidade, estado ou país que não as possui ou não consegue valorizá-las!

A tradição, no entanto, não se esgota no culto à rainha ou à família real, magnificamente expressado no God save the Queen do hino nacional britânico. Ela se faz sentir nas livrarias, nas casas de chá, nas famosas arcades (galerias) da Regent Street e da Picadilly Road, algumas das quais com bem mais de um século de existência. Em seus parques impecavelmente cuidados. Ou nos teatros, sempre lotados, de Covent Garden e seus arredores. Nas lojas de departamentos, como a Harrods, a Harvey Nichols, a John Lewis, a Selfridges, e tantas outras. E, por que não, nos tradicionalíssimos pubs, cujos lugares são democraticamente disputados por apreciadores de cerveja de todos os lugares do mundo.

Romantismo – E, por falar em tradição, pudemos constatar que o romantismo segue em alta na capital inglesa. 14 de fevereiro é o dia em que é comemorado o Valentine’s Day (o Dia dos Namorados deles). Há muito tempo não víamos tantas flores – rosas na sua esmagadora maioria – transitando pelas ruas, nas mãos de entregadores esbaforidos, homens galanteadores e, acima de tudo, mulheres sorridentes e apaixonadas.

 

 

 

 

Referências e indicações bibliográficas

CASSIS, Youssef. Capitals of capital: A History of Financial Centres, 1780 – 2005. New York, NY: Cambridge University Press, 2006.

KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências: transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Campus, 1989.

MICHIE, Ronald, C. The City of London: continuity and change, 1850 -1990. UK: MacMillan, 1991.

MORGAN, E. Victor e Dunning, John H. (Orgs.) An economic study of the city of London. USA: Routledge, 2003.

 

Referências e indicações webgráficas

BRASIL, Circe. Ir à França é Chic. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/iscasbrasil/iscas/abre_isca.asp?cod=1640.

 

Referências musicais

London, London. Letra e música de Caetano Veloso. Disponível em http://caetano-veloso.letras.terra.com.br/letras/44739/.

God save the Queen. Hino Nacional do Reino Unido. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Hino_nacional_do_Reino_Unido.