Grandes Economistas

 

Alfred Marshall e a Escola Neoclássica

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“Não será provavelmente um bom economista

quem não é nada mais do que isso.”

Alfred Marshall

 

Alfred Marshall nasceu em Bermondsey, um subúrbio de Londres, em 26 de julho de 1842. Filho de William Marshall e Rebeca Oliver. Seu pai era um caixa do Banco da Inglaterra, de caráter tirânico, cresceu no bairro londrino de Clapham. Embora tenha sido desencorajado pelo pai a se dedicar à matemática, por ser irrelevante para o clero, que o pai escolhera para carreira do filho, Marshall estudou em Cambridge, onde se dedicou à matemática, à física e, posteriormente, à economia. Casou-se em 1877 com uma antiga aluna, Mary Paley, que se tornou professora de economia e sua ativa colaboradora intelectual. Morreu em Cambridge, aos 81 anos, no dia 13 de julho de 1924.

 

1. A evolução do pensamento econômico no século XIX

O século XIX iniciou sob a influência crescente das idéias do liberalismo clássico e dos efeitos da Revolução Industrial. Graças a essas influências, os principais países europeus foram consolidando a organização de suas economias pondo em prática os princípios consagrados por aquela corrente de pensamento: propriedade privada dos meios de produção, livre iniciativa empresarial, busca incessante do lucro, mercado e sistema de preços como principais orientadores das decisões dos agentes econômicos (o que, quanto, como e para quem produzir), tudo isso sob um cenário em que o Estado reduzia cada vez mais sua presença na economia, em contraste com o elevado grau de intervenção que havia prevalecido nos séculos anteriores em razão do predomínio da visão mercantilista, que pode ser sintetizada no binômio absolutismo político + intervencionismo econômico.

Foi nesse cenário que os países pioneiros no processo de industrialização foram expandindo sistematicamente o volume de produção, aumentando consideravelmente a oferta de bens e serviços colocados à disposição de suas respectivas populações. Além disso, ampliavam mais e mais a diferença que os separava dos países que não conseguiam dar início a seus processos de industrialização, tanto na Europa como, principalmente, fora dela, nas longínquas terras da Ásia, da Oceania, da África e da América do Sul. A única exceção fica por conta dos Estados Unidos da América, cuja população constituída em boa parte de imigrantes europeus e seus descendentes já demonstrava um espírito empreendedor, o que permitiu que em algumas regiões do norte e do leste a industrialização começasse precocemente, poucas décadas depois de haver sido iniciada nos países pioneiros da Europa.

Porém, ao contrário do que imaginara Adam Smith, a Revolução Industrial não conduziu ao paraíso. Decorrido mais de meio século do início da Revolução Industrial observava-se que a segurança da antiga economia agrícola – quase artesanal – dos vilarejos fora destruída. Com a urbanização desordenada que ocorreu em torno dos centros industriais emergentes, o novo industrialismo trouxe fábricas cada vez maiores, e os trabalhadores passaram a viver apinhados em sua vizinhança, em favelas ou cortiços, onde o vício, o crime, as doenças, a fome, a miséria, a prostituição e a promiscuidade constituíam o cenário mais comum. Os acidentes industriais ocorriam com freqüência, quer em função das longas jornadas de trabalho, quer em virtude do despreparo dos trabalhadores para interagirem com máquinas que iam sendo incorporadas ao processo produtivo sem que houvesse qualquer treinamento para os que teriam que manejá-las. Tais acidentes traziam miséria, não havendo qualquer compensação para as famílias dos aleijados ou mortos. Não existiam direitos políticos para os assalariados e os sindicatos eram proibidos.

Nessas condições, a pobreza das massas parecia cada vez mais opressiva (uma vez que agora ficava mais aparente já que concentrada nos centros industriais emergentes) e contrastante (à medida que as grandes fortunas se multiplicavam).

A constatação de que o simples aumento do volume e da diversidade dos bens e serviços produzidos não significava o fim da pobreza, uma vez que a concentração excessiva da renda e da riqueza dava a muitos a impressão de que a desigualdade estava até se expandindo provocou, nas décadas iniciais do século XIX, o surgimento de duas correntes na história do pensamento econômico: a primeira, de diversos reformadores sociais, entre os quais Saint-Simon, Fourier e Robert Owen, que se tornaram conhecidos como socialistas utópicos, e que acreditavam numa mudança para uma sociedade mais justa por meio de reformas pacíficas e até apoiadas pelos grandes detentores de terra e de capital; a segunda, que tem em Stuart Mill seu exemplo mais ilustrativo, é de uma espécie de dissidência clássica, ou seja, pensadores que tiveram formação econômica através das idéias clássicas de Smith e de Ricardo, mas que foram pouco a pouco se afastando delas e incorporando em suas proposições doses crescentes de preocupação social juntamente com as primeiras idéias utilitaristas.

O fracasso dos socialistas utópicos em persuadir os capitalistas a aderirem a seus projetos humanitaristas fortaleceu ainda mais as idéias de Marx que defendia, entre outras, a tese de que a transição para uma sociedade mais justa só poderia ser feita por meio de um processo revolucionário – luta de classes – dado  o caráter exploratório das relações assalariadas de produção, principal elemento definidor do modo de produção capitalista. Em sua pregação, Marx propunha a eliminação da propriedade privada dos meios de produção, que passariam a ser coletivos e administrados por meio de órgãos centrais de planificação, aos quais incumbiria responder as questões fundamentais da economia: o que, quanto, como e para quem produzir.

A rápida penetração dessas idéias, em especial entre os intelectuais e nos meios acadêmicos, estimulou o aparecimento quase simultâneo de trabalhos que  apresentavam considerável grau de convergência, levados a cabo porpessoas diferentes, em lugares diferentes, e que trabalhavam independentemente umas das outras. Entre elas destacam-se William Stanley Jevons, na Inglaterra, Carl Menger, na Áustria, e Léon Walras, na Suíça. Nascia, nas pessoas desses três grandes nomes, o que se tornou conhecido como a Escola Marginalista em três ramificações: Escola de Cambridge, Escola Austríaca e Escola de Lausanne, respectivamente. Embora reconhecendo a existência de problemas sociais não resolvidos em mais de um século de predomínio das idéias clássicas na organização econômica dos principais países da Europa, os marginalistas discordavam dos socialistas em geral – e dos marxistas em particular – sobre a melhor forma de solucionar esses problemas. Tinham, no entanto, uma certeza: não deveria ser através da modificação da estrutura de produção capitalista, que consagrava os princípios liberais clássicos da propriedade privada, da livre iniciativa e da busca incessante do lucro. Afinal, o próprio Marx reconhecera a eficiência disso ao afirmar que “durante pouco mais de cem anos em que se encontra no poder, a burguesia [e o capitalismo] criou forças produtivas mais sólidas e colossais do que todas as gerações anteriores juntas…”.

Vindo, portanto, em defesa dos princípios clássicos na época tão combatidos pelos socialistas, os marginalistas dessa primeira geração fizeram a apologia do laissez-faire e foram responsáveis por algumas contribuições notáveis para a evolução da teoria econômica, entre as quais merecem destaque, segundo Oser e Blanchfield:

  • Os marginalistas concentravam sua atenção sobre a margem – o ponto de mudança em que se baseiam as decisões – para explicar os fenômenos econômicos. Estenderam a toda teoria econômica o princípio marginal que Ricardo desenvolveu em sua teoria da renda.
  • A abordagem marginalista era predominantemente microeconômica, na qual a tomada de decisão do agente econômico individual – seja uma pessoa física ou uma empresa – assumia importância central. Isso significa a retomada da tradição liberal da análise econômica, e se contrapõe frontalmente à análise marxista que tem por foco central as relações de classes.
  • Os marginalistas tomavam por base um sistema econômico baseado na concorrência perfeita (considerando, ocasionalmente, o monopólio absoluto como extremo oposto). Foram, com exceção da corrente austríaca, responsáveis pela forte expansão do uso de métodos quantitativos na construção de seus modelos de análise, que pretendiam ser uma abstração da realidade. Nesses modelos, o cenário dominante era constituído de um grande número de empresários pequenos e médios, que agiam independentemente, existindo muitos compradores, muitos vendedores, produtos homogêneos, preços uniformes, e sem influência da propaganda.
  • A demanda torna-se a força primária para a determinação de preços. Ela, por sua vez, depende da utilidade marginal, que é um fenômeno psíquico. Portanto, a economia tornou-se subjetiva e psicológica.
  • Supunham que as pessoas seriam racionais quanto ao equilíbrio de prazeres e desprazeres, ao medirem as utilidades marginais de bens diferentes e ao equilibrarem necessidades presentes e futuras. Sua abordagem era hedonista, supondo que os estímulos dominantes na tomada de decisão de qualquer agente econômico ocorrem no sentido de maximizar o prazer e/ou minimizar o desprazer.

2. Principais contribuições de Marshall

Fica muito difícil reduzir a extraordinária contribuição de Marshall num texto com as características destes das Iscas Intelectuais. Nesse sentido, o que procurarei fazer a seguir é uma síntese daquelas que considero suas mais relevantes contribuições para a evolução da teoria econômica e da história do pensamento econômico.

  • Economics X Political Economy

Todos os textos de Economia anteriores a Marshall referem-se à matéria tratando-a de “economia política” (political economy). Marshall, embora se opusesse ao conceito de homo economicus, por considerá-lo excessivamente simplificador, e procure considerar o indivíduo enquanto agente econômico sempre inserido num determinado contexto sociocultural, abandonou essa denominação e passou a se utilizar da expressão “economia” (economics).

Nesse sentido, como afirma Ricardo Feijó,

Marshall representou um marco institucional na história da moderna Economia. Introduziu o nome Economics em substituição ao anterior Political economy, para designar o novo estilo de se fazer ciência econômica; fundou o primeiro curso especializado de Economia e seu livro de 1890, Princípios de economia, foi o principal manual dessa disciplina por mais de 30 anos.

De fato, ainda segundo Ricardo Feijó

Antes de Marshall, em Cambridge a Economia era ensinada apenas como parte das ciências históricas e morais, e não era objeto de trabalhos mais avançados. Marshall fez da Economia uma profissão. Durante muitos anos ele lutou, nem sempre com sucesso, para ampliar o âmbito da Economia, e só em 1903 inaugurou-se um novo curso especializado em Economia, o primeiro curso exclusivamente dedicado à formação do profissional nesse campo de que se tem notícia (Na verdade, a nova escola de Economia de Cambridge intitula-se “Economia e Política”, conservando esse nome até hoje. Como indica o nome da escola, trata-se de especialização também em Ciências Políticas). Com ele, tal ciência [a Economia] adquire o status de saber autônomo cientificamente qualificado, uma área técnica repleta de conceitos não acessíveis ao não iniciado.

  • Uma visão dotada de enorme preocupação social

Embora os marginalistas e os neoclássicos, pelo fato de se contraporem às reformas propostas pelos socialistas, tenham ficado com a imagem de reacionários ou conservadores, fica difícil admitir tal imagem como válida quando se conhece não só como Marshall concebia a economia, mas também quando se observa qual deveria ser, na sua opinião, a principal preocupação do estudo da economia.

Sua definição de economia mostra a caráter pragmático de como ele a entendia:

A economia é um estudo da humanidade na atividade comum da vida; ela examina a parte da ação individual e social que está mais intimamente ligada aos resultados e ao uso dos requisitos materiais do bem-estar.

Sua preocupação com as questões sociais de uma forma geral – e com a pobreza em particular – é constante, como se observa na Introdução de sua obra magna, Princípios de economia, na coleção Os Economistas, escrita por Ottolmy Strauch:

Marshall passou então a preocupar-se com a questão social sendo levado à “percepção de que a pobreza estava na raiz de muitos males sociais”, o que acabou conduzindo-o ao estudo da Economia. Matéria para a qual, como muitos dos grandes economistas contemporâneos, nunca fez curso universitário regular e especializado, já que na época a matéria não existia senão como apêndice ou complemento de outros cursos, tal qual como no Brasil de algumas décadas atrás. Segundo a sua convicção, que manteve inalterada pela vida inteira, o problema da pobreza era não somente fundamental para a Economia, como a sua própria razão de ser. Como ele próprio viria mais tarde a dizer nos Princípios: “o estudo das causas da pobreza é o estudo das causas da degradação de uma grande parte da humanidade”.

  • Ênfase na educação

Outro aspecto que vem reforçar o elevado grau de preocupação social de Marshall é a maneira enfática como ele se referiu à importância da educação para a redução das desigualdades sociais e, por extensão, para o crescimento econômico de qualquer país, como fica claro na epígrafe de um dos livros menos conhecidos do Prof. Eduardo Giannetti, Liberalismo X Pobreza: “O mais valioso de todos os capitais é aquele investido em seres humanos”. Nesse livro, Giannetti chama a atenção para um aspecto normalmente ignorado por todos os que se opõem à visão econômica liberal, qual seja, sua elevada preocupação com a educação.

A bandeira da educação compulsória e universal, financiada in toto e pelo menos parcialmente provida pelo Estado, é uma tônica constante da economia clássica desde Adam Smith. Malthus, para citar apenas um exemplo, sugeria que o investimento público maciço em educação popular seria uma resposta muito mais eficaz do que a “Poor Law” no combate ao pauperismo.

Porém, dentre todos os autores da tradição liberal iniciada com os clássicos e continuada pelos marginalistas e neoclássicos que mostraram preocupação com a educação, foi Marshall, segundo Giannetti, quem mais se destacou nesse aspecto:

Entre os economistas ingleses na tradição liberal-utilitária, foi, sem dúvida, Alfred Marshall aquele que melhor compreendeu a importância da formação de capital humano – do investimento na qualidade da força de trabalho – para um programa de reforma social eficaz, voltado para a emancipação da pobreza e a promoção do desenvolvimento econômico.

Os dois trechos citados a seguir ilustram com impressionante clareza essa enorme preocupação com que Marshall analisava a importância do investimento em educação para o desenvolvimento de uma nação. O primeiro retrata o enorme desperdício humano e econômico da sociedade inglesa do começo do século XX, o qual, como bem observa Giannetti, não difere muito da situação latino-americana e brasileira da atualidade:

Nas camadas mais baixas da população, o mal é grande. Pos os parcos meios e educação dos pais e sua relativa incapacidade de antever, com um mínimo de realismo, o futuro, impedem-nos de investir capital na educação e treinamento dos seus filhos, com a mesma liberalidade e audácia com que o capital é aplicado no aprimoramento da maquinaria de qualquer fábrica bem administrada (…) Por fim, eles [os filhos de pais pobres] vão para o túmulo carregando consigo aptidões e habilidades que jamais foram despertas. [Aptidões] que, se tivessem podido dar frutos, teriam adicionado à riqueza material do pais – para não falarmos em considerações mais elevadas – diversas vezes mais do que teria sido necessário para cobrir as despesas de prover oportunidades adequadas para o seu desenvolvimento (…) Mas o ponto sobre o qual devemos insistir agora é que o mal tem caráter cumulativo. Quanto pior a alimentação das crianças de uma geração, menos irão ganhar quando crescerem e menores serão seus poderes de prover adequadamente as necessidades materiais de seus filhos e assim por diante nas gerações seguintes. E, ainda, quanto menos suas próprias faculdades se desenvolvam, tanto menos compreenderão a importância de desenvolver as melhores faculdades de seus filhos e menor será sua capacidade de fazê-lo.

O segundo reforça o caráter cumulativo do desperdício mencionado no trecho anterior e dá ênfase à importância da concentração da maior parte do investimento em capital humano na educação básica da massa da população:

Não existe extravagância mais prejudicial ao crescimento da riqueza nacional do que aquela negligência esbanjadora que permite que uma criança bem-dotada, que nasça de pais destituídos, consuma sua vida em trabalhos manuais de baixo nível. Nenhuma mudança favoreceria tanto a um crescimento mais rápido da riqueza material quanto uma melhoria das nossas escolas, especialmente aquelas de grau médio, desde que possa ser combinada com um amplo sistema de bolsas de estudo, permitindo, assim, ao filho inteligente de um trabalhador simples que ele suba gradualmente, de escola em escola, até conseguir obter a melhor educação teórica e prática que nossa época pode oferecer.

  • Incorporação da Matemática na Economia

Com sua sólida formação em Matemática, Marshall deu enorme contribuição para a incorporação de métodos quantitativos à análise econômica, vale dizer, a utilização sistemática de equações matemáticas, gráficos e diagramas numéricos. Com isso, prestou relevante serviço no sentido de dar mais credibilidade à Economia perante a comunidade científica. Na época – final do século XIX – o critério da verificabilidade era predominante para que uma dada teoria fosse reconhecida como científica, isto é, só eram aceitas como científicas as proposições ou hipóteses que pudessem ser verificadas (comprovadas) por meio de medição, demonstração matemática ou experiência laboratorial. Nesse sentido, ao “traduzir” a teoria econômica para a linguagem matemática, a contribuição de Marshall para que a Economia fosse aceita como uma ciência foi fundamental.

Na verdade, essa incorporação da Matemática à teoria econômica foi conseqüência natural do amplo conhecimento que Marshall possuía do assunto, como bem descreve Ottolmy Strauch:

Tal como seu contemporâneo Karl Marx, Marshall passou da Filosofia para a Economia, só que no seu caso foi pela via matemática. Descrevendo sua passagem para a Economia, recordava ele já no final da vida: “Da Metafísica fui para a Ética, e achei que a justificativa das condições existentes da sociedade não era fácil”. Um amigo, com quem discutia questões sociais, retrucou-lhe um dia: “Você não diria isso se soubesse Economia”. Sua iniciação no campo econômico processou-se, segundo ele próprio, da seguinte forma: “Minha familiarização com a Economia começou com a leitura de Mill, enquanto ainda estava ganhando minha vida ensinando Matemática em Cambridge, e traduzindo suas concepções em equações diferenciais até onde pudesse ir; e, em regra, rejeitando aquelas que a isso não se prestassem… Isso foi, principalmente, em 1867/68”. “Enquanto estava dando aulas particulares de Matemática, traduzi o quanto possível os raciocínios de Ricardo para a Matemática e empenhei-me em torná-los mais gerais”.

Muitos historiadores do pensamento econômico, entre os quais Araújo, Brue e Feijó, fazem questão de ressaltar que apesar de seu extraordinário domínio da Matemática e da incorporação da mesma à teoria econômica – para desespero de muitos estudantes –, Marshall jamais deixou que a Matemática se sobrepusesse à preocupação social básica da Economia. Ao contrário, utilizou-a como um importante instrumento analítico e metodológico, mas se opôs ao seu uso abusivo na Economia, tanto é verdade que colocou quase todos os gráficos e diagramas nos rodapés e apêndices de suas obras. Essa consciência sobre o papel assessório da Matemática fica clara numa famosa carta em que relata sua experiência pessoal com a mesma, onde escreve: “Um bom teorema matemático relativo a hipóteses econômicas é altamente improvável de ser boa Economia”.

Tal idéia fica ainda mais reforçada num dos trechos mais reproduzidos de sua autoria:

Um bom teorema matemático que aborde hipóteses econômicas dificilmente será boa economia; e creio cada vez mais nas seguintes regras: 1) Use a matemática como abreviação e não como método de pesquisa. 2) Utilize-a até ter terminado. 3) Traduza para o inglês. 4) Ilustre, então, com exemplos importantes da vida real. 5) Queime a matemática. 6) Se não conseguir realizar a 4, então queime a 3.

  • Valor

Durante muito tempo a determinação do valor de um bem ou serviço enfatizou o lado da oferta – o custo de produção – como único determinante do valor. Essa idéia se consolidou com David Ricardo, na Escola Clássica, tornando-se conhecida como a teoria do valor trabalho, segundo a qual o valor de um bem decorre da quantidade de trabalho necessário à sua produção. Essa idéia foi posteriormente aproveitada por Marx, que dela partiu para desenvolver a sua teoria da exploração (mais-valia).

Os primeiros marginalistas, como observam Oser e Blanchfield, voltaram-se para o extremo oposto e enfatizaram a procura, excluindo completamente a oferta. Para eles o valor de um bem era determinado pela utilidade que esse bem proporcionava a uma pessoa, idéia que se tornou conhecida como teoria do valor utilidade. Ao contrário do que ocorria com a teoria do valor trabalho, para a qual o valor era algo objetivo, medido pelo número de horas incorridas na produção de um determinado bem ou serviço, o valor para os marginalisas tornou-se subjetivo, uma vez que a utilidade proporcionada por um determinado bem ou serviço variava de pessoa para pessoa.

Marshall sintetizou as duas visões sobre a determinação do valor de um bem ou serviço, a baseada na oferta e a baseada na procura, naquilo que pode ser chamado de economia neoclássica. Assim, segundo Oser e Blanchfield, a economia neoclássica pode ser vista como “o marginalismo com um reconhecimento sensato da contribuição remanescente da Escola Clássica”.

Ottolmy Strauch também destacou esse aspecto na Introdução dos Princípios de economia da coleção Os Economistas:

Justamente numa época em que a controvertida teoria do valor dividia os economistas em posições irreconciliáveis, Marshall conseguiu, graças principalmente à introdução do elemento tempo como fator na análise, reconciliar o princípio clássico do custo de produção com o princípio da utilidade marginal, atribuído à escola austríaca (Menger), Walras e Jevons mas que, diz Marshall, lhe foi inspirado por Von Thünen. “Ao introduzir o fator tempo na análise econômica pela distinção entre curtos e longos períodos, ele procurou, com efeito, determinar o papel do custo objetivo de produção (longos períodos) e o da utilidade marginal (períodos curtos) na determinação do valor dos bens e serviços”.

  • Equilíbrio parcial

Outra grande contribuição de Marshall refere-se à noção de equilíbrio parcial. Até então, as análises desenvolvidas a esse respeito consideravam a idéia de equilíbrio geral, sendo Walras reconhecido como um dos maiores – senão o maior – especialistas no assunto.

De acordo com Ottolmy Strauch,

O método de “análise parcial” ou “análise de equilíbrio parcial”, também chamada de abordagem de Ceteris paribus (iguais às demais coisas, isto é, sem que haja modificação de outras características ou circunstâncias) é das mais famosas e, hélas, controvertidas contribuições de Marshall. Consiste, essencialmente, em compartimentar a economia de modo que os principais efeitos de uma mudança de parâmetro num determinado minimercado possam ser ressaltados sem considerar os efeitos colaterais em outros mercados, inclusive as reações, ou feedback destes.

Oser e Blanchfield também se referem a essa contribuição considerando que a mesma contribui para tornar a análise econômica mais útil e seus resultados mais realistas:

O método de análise parcial pode ser justificado com base no fato de que nos permite investigar os diversos estágios de fenômenos complexos. Consideramos a mudança de uma variável de cada vez, supondo que o restante permaneça constante. Os problemas de nossa sociedade terrivelmente complicada com suas inúmeras variáveis podem, com isso, ser simplificados e pesquisados de maneira ordenada e sistemática. À medida que introduzimos variáveis sucessivas, aproximamo-nos de situações mais realistas. Supor que o restante permanece constante, exceto o fator que permitimos variar, é uma técnica empregada durante todo o tempo. Se afirmarmos “vou ao cinema esta noite”, estamos implicitamente fazendo centenas de suposições sobre outras circunstâncias que não deverão mudar inesperadamente. Por exemplo, estamos supondo que não quebraremos uma perna ou morreremos do coração durante o dia; que o cinema não pegará fogo; que uma enchente ou um terremoto não bloqueará a entrada para a cidade; que não surgirá nada mais interessante para fazer à noite.

3. O legado de Marshall e da Escola Neoclássica

Considerando que a Escola Neoclássica foi uma extensão da Escola Marginalista, pode-se afirmar que sua influência permanece acentuada na Economia até os dias de hoje, uma vez que gerações sucessivas têm contribuído para o aperfeiçoamento e a atualização de suas diversas ramificações.

A Escola de Cambridge, que teve início com Jevons e teve continuidade com Marshall, seguiu depois com importantes economistas, destacando-se entre eles A. C. Pigou. A Escola Austríaca, iniciada com Menger, teve depois von Wieser, Bohn-Bawerk, Ludwig von Mises e Friedrich Hayek (ganhador do Prêmio Nobel em 1974). Já a Escola de Lausanne, iniciada com Walras, teve em Vilfredo Pareto seu principal seguidor.

Dentre as ramificações posteriores, pode-se assinalar também a vertente que se tornou conhecida como economia monetária (ou monetarista), aí se destacando John Gustav Knut Wicksell, Irving Fisher, Ralph George Hawtrey e Milton Fridman (ganhador do Prêmio Nobel em 1976).

Pode-se identificar ainda o vasto desenvolvimento da economia matemática (econometria) como uma conseqüência da influência da Escola Neoclássica, assim como os progressos mais recentes no campo da teoria dos jogos.

Mas duas das maiores preocupações de Alfred Marshall continuam sendo não apenas atuais, mas seguem ainda dando muita dor de cabeça aos economistas contemporâneos. Uma delas, o combate à pobreza, continua gerando muitas discordâncias e, em muitas partes do mundo, as políticas econômicas levadas a cabo com esse objetivo apresentaram resultados pífios. Vale a pena, a esse respeito, dar uma lida no artigo Receita para combater a pobreza ainda é um mistério para os economistas, de autoria de Davis Wessel e reproduzida em O Estado de S. Paulo em janeiro passado.

A outra, sobre a importância econômica da educação, segue inspirando renomados economistas contemporâneos, entre os quais os laureados com o Nobel de Economia, Theodore W. Schultz (1979), Gary Becker (1992) e James Heckman (2000).

A divisão entre Polytical Economy e Economics permanece também dando margem a acalorados debates e muitas trocas de farpas. Nas reuniões anuais da ANPEC – Associação Nacional dos Centros de Pós-graduação em Economia, costumam haver sessões separadas da SEP – Sociedade Brasileira de Economia Política e da SBE – Sociedade Brasileira de Econometria. Os adeptos de cada uma dessas associações costumam dizer que o que se faz na outra não é, propriamente, economia!

 

 

Referências e indicações bibliográficas

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CANAVAN, Bernard. Economistas para principiantes. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1983.

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MARSHALL, Alfred. Princípios de economia: tratado introdutório. Tradução revista de Rômulo de Almeida e Ottolmy Strauch. Introdução de Ottolmy Strauch. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Os Economistas)

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WESSEL, David. Receita para combater a pobreza ainda é um enigma para os economistas. The Wall Street Journal Américas. O Estado de S. Paulo, 11 de janeiro de 2007, p. B10.

Livros texto de História do Pensamento Econômico

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BRUE, Stanley L. História do pensamento econômico. Tradução de Luciana Penteado Miquelino. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005, pp. 273 – 297.

FEIJÓ, Ricardo. História do pensamento econômico: de Lao tse a Robert Lucas. São Paulo: Atlas, 2001, pp. 291 – 336.

FUSFELD, Daniel R. A era do economista. Tradução de Fábio D. Waltenberg. São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 111 – 128.

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HUNT, E. K. História do pensamento econômico: uma perspectiva crítica. Tradução de José Ricardo Brandão Azevedo e Maria José Cyhlar Monteiro. Revisão técnica de André Villela. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, pp. 273 – 288.

OSER, Jacob e BLANCHFIELD, William C. História do pensamento econômico. Tradução de Terezinha Santoro dos Santos. Revisão técnica de José Paschoal Rossetti. São Paulo: Atlas, 1983, pp. 237 – 255.

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Referências e indicações webgráficas

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