Para refletir na Páscoa

 Eiiti Sato[1]

O isolamento leva as pessoas a ficarem “caraminholando” sobre as preocupações do momento. Uma pergunta torna-se inevitável: por que o presidente Bolsonaro tem sua popularidade em declínio diante da crise do COVID 19, contrariamente ao que acontece com a maioria dos líderes de outros países? Entre os casos mais notáveis está o de Emmanuel Macron que, apesar das elevadas cifras de contaminação e morte em seu país, a crise reverteu dramaticamente sua impopularidade. O coronavírus acabou até mesmo com o Mouvement des gilets jaune (movimento dos coletes amarelos). Uma pista seria olhar a história e, nesse sentido, o caso do presidente Hoover pode ser ilustrativo.

1 – Costuma-se considerar o presidente Herbert Hoover (1929-1933) como um dos piores governantes que os EUA já tiveram, apesar do fato de que qualificação, competência pessoal e experiência, Hoover tivesse de sobra. Com efeito, sua atuação na Administração Pública foi ampla e variada a ponto de, na Administração Calvin Coolidge, ser chamado de “Secretário do Comércio, e de todas as demais Secretarias“. Na área internacional, assessorou Woodrow Wilson na Conferência de Versailles na criação da Liga das Nações, uma atuação que lhe valeu uma referência de John Maynard Keynes, que disse que se Versailles tivesse ouvido mais Herbert Hoover, os resultados da conferência não teriam sido tão desastrosos.

2 – Durante seu governo Hoover construiu a Represa Hoover, considerada uma das maiores e mais notáveis obras de engenharia da época; tomou iniciativas para estimular a produtividade, a inovação e a eficiência da economia americana por meio da cooperação Governo/Empresa; tomou medidas para estabilizar o mercado agrícola. Além disso, sua esposa Lou H. Hoover era uma ativista muito simpática e vista como uma verdadeira imagem da mulher moderna do pós Primeira Guerra.

3 – Por que então a grande derrota na sua candidatura à reeleição em 1932? Perdeu em 42 Estados, vencendo em apenas 6 Estados. Em votos absolutos, Roosevelt venceu com 58% dos votos, contra 39% de Hoover. O motivo, obviamente, teve muito a ver com a forma como enfrentou a Grande Depressão e seus efeitos.

4 – Hoover tentou usar o Estado para estimular a economia, no entanto, na sua visão, a ganância distorcia a competição e deveria ser combatida com medidas que protegessem os EUA dessa ganância de comerciantes e especuladores domésticos e, principalmente, internacionais. Entendia que a recuperação só poderia vir das forças de mercado, inclusive porque medidas de proteção social poderiam estimular o ócio e criar outras distorções para a economia.

5 – Apesar de tudo, talvez a razão mais importante não dependesse dele: a sociedade americana não estava preparada para medidas “não-ortodoxas”. Hoover foi até acusado por John N. Garner, candidato a vice-presidente na chapa de Franklin D. Roosevelt, de “liderar o país no caminho para o socialismo“. O fato é que, diante de uma “dor de cabeça”, ninguém vai procurar um neurocirurgião, a não ser depois de ter tentado desde o “chá de ervas da vovó” até o antigripal e o especialista em enxaqueca. Quando a crise se desencadeou em 1929, coube a Hoover, que ainda não completara um ano de governo, tentar todas as medidas “ortodoxas” desde o “chá de ervas”, as doses de aspirina e outros “medicamentos” tradicionais para tentar curar uma “dor de cabeça” de origem bem mais complicada, que os economistas chamam de “crise sistêmica”. Assim, as receitas tradicionais não tinham condição de funcionar, mas prepararam o terreno para Roosevelt propor e aplicar uma política “heterodoxa”, uma “resposta sistêmica ou estrutural” à crise que era bem mais do que uma simples “dor de cabeça”.

6 – Bolsonaro não pode ser culpado pela crise da pandemia e seus efeitos, mas tudo indica que deveria se alinhar com as preocupações das pessoas tanto no Brasil quanto em outros países. Os dados mostram que mais de 70% das pessoas estão preocupadas com a perspectiva de contaminação, deixando para segundo plano a questão do crescimento econômico, inclusive porque os mecanismos da economia (até mesmo no Brasil) permitem uma margem bastante razoável de proteção dos empregos e dos meios de sobrevivência. Uma coisa é ser “populista” que significa distribuir benefícios desnecessários, apenas para conquistar aprovação popular. Outra coisa é “estar ao lado do sentimento e das preocupações da nação”, neste caso do mundo, um vez que o mundo todo vai nessa direção. Além disso, se o presidente não está satisfeito com as medidas na área da Saúde, deveria simplesmente demitir o ministro (tem autoridade e competência formal para isso) e mandar suspender imediatamente a quarentena (também tem autoridade para isso), mas preferiu apenas ficar “cutucando” o ministro, os governadores, a imprensa e a OMS. Além de reclamar da ingerência de “deputados irresponsáveis e oportunistas” e do Judiciário. Se ele reconhece não ter poder real para enfrentar a opinião pública, o Legislativo e os governadores, melhor seria ficar calado e reavaliar suas próprias opiniões. Será que somente ele tem sensatez e visão para perceber que a paralisia causada pela crise tem efeitos sobre o emprego e a renda?  Obviamente o resultado não poderia ser outro; tornou-se um dos raros casos de governante cujo prestígio ao invés de crescer, declinou com a crise do coronavírus.

[1] Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília