A armadilha da politicagem em meio à crise: a proposta Lula-Meirelles

Eduardo José Monteiro da Costa[1]

Hoje pela manhã fiquei perplexo com uma matéria da BBC News na qual o economista Henrique Meirelles – que foi presidente do Banco Central entre 2002 e 2011, durante o governo Lula, e Ministro da Fazenda no governo Temer entre 2016 e 2018, além de candidato a Presidência da República pelo MDB em 2018 – propôs como medida anticíclica a populista, ingênua, porém sórdida estratégia de imprimir moeda, utilizando-se para isso de instrumentos monetários como a venda de títulos da dívida pública.

A história econômica está repleta de exemplos similares, que geraram como resultado apenas o colapso fiscal das contas públicas e um processo de inflação generalizado, em alguns casos pari passu com a estagnação econômica, conformando a “tempestade perfeita” que foi batizada por alguns economistas de “estagflação”.

Confesso que fiquei ao longo do dia refletindo sobre os motivos que levariam Meirelles, um renomado e experiente economista, a propor ousada e publicamente isso, principalmente porque, até mesmo bons estudantes de economia, aqueles que já leram os manuais de macroeconomia, ou mesmos os bons manuais de introdução à economia, sabem que não se induz adequadamente a economia apenas emitindo moeda. Isso é uma falsa solução, o mundo econômico é muito mais complexo.

Contudo, no final do dia tudo ficou mais claro quando vi circulando nas mídias sociais um vídeo do ex-presidente Lula, em mais um ensaio oportunista e politiqueiro, defendendo enfaticamente a emissão de moeda como solução simples e milagrosa para a crise atual. Em um breve exercício de lógica foi simples ligar os pontos.

A proposta Lula-Meirelles de resolução da crise econômica atual, através da emissão de moeda, tem como único e exclusivo propósito o populismo político e o oportunismo eleitoral. Essa proposta coloca nas mãos do governo um dilema. Se o atual governo adotar a proposta, além de não estimular a economia como se espera, irá gerar um maior colapso econômico na medida em que, além da recessão que vivenciamos, iremos lograr hiperinflação e aumento da dívida pública. Um “prato cheio” para o desgaste político do governo Bolsonaro.

Porém, caso o governo atual se recuse a adotar as medidas propostas, Lula e Meirelles poderão, de forma populista, demagógica, sórdida e oportunista, vociferar aos quatro cantos que apresentaram a proposta para a “salvação do Brasil”, mas o atual governo, de cunho “neoliberal”, “fascista” e “inimigo do povo”, se recusou a aceitar.
Observem que nas duas opções há sempre um lado que sai desgastado e outro que se aproveita politicamente da situação. Em ambos os casos o atual governo se desgasta e o “presidenciável” Lula reaparece como o “pai dos pobres e oprimidos”, ou o salvador do Brasil.

Finalmente, há um último aspecto que precisa ser considerado. Nos dois governos Lula, tendo à frente do Banco Central o próprio Henrique Meirelles, o Brasil implantou o maior programa de transferência de renda do mundo, e não foi o Bolsa Família, foi o “Bolsa Banqueiro”. Com o Banco Central praticando taxas de juros inexplicavelmente altas, por meio da venda de Títulos da Dívida Pública altamente remunerados por essas taxas de juros, calcula-se que, em média, a cada ano, o Brasil pagava um montante superior a R$ 500 bilhões somente como juros ao sistema financeiro (o montante anual para fins de comparação com o Bolsa Família é estimado em torno de R$ 30 bilhões/ano). Essa política permaneceu até o governo atual, quando o Banco Central implantou uma política de redução progressiva da taxa básica de juros, chegando ao seu menor patamar histórico (ao menos desde o Plano Real), de 3,5% a.a. Isso aliviou as contas públicas, diminuiu o ritmo de crescimento da dívida pública, liberou recursos para investimentos, porém, desagradou o sistema financeiro e os rentistas.
Não precisa ser muito astuto para entender que a proposta Lula-Meirelles de imprimir moeda e colocá-las em circulação no bojo de uma crise econômica mundial por meio da vende de Títulos da Dívida Pública do Tesouro Nacional somente poderá ser operada mediante o aumento do patamar dos juros básicos da economia. Algo que agrada o sistema financeiro e os rentistas.

Em síntese, a astúcia política misturada com populismo, demagogia e sordidez da proposta apresentada por Lula e Henrique Meirelles, além de colocar o atual governo “populisticamente” em um jogo de “Pirro”, atende, sobretudo, aos interesses do sistema financeiro que fora demasiadamente beneficiado pelos governos FHC, Lula, Dilma e Temer.

O Brasil não é para amadores. Sobretudo quando alguns fingem amar e se preocupar com os pobres, mas no fundo pensam somente nos seus interesses político-partidários e em beneficiar grupos políticos e econômicos que sempre mandaram no País. O atual “pai dos pobres”, demonstra sorrateiramente a sua “paixão pelos ricos” e seus interesses mesquinhos.

[1] Doutor em Economia pela Unicamp e professor da UFPA. Correio eletrônico: ejmcosta@gmail.com