O custo da tolerância

Prevenir ou remediar?

“Na Europa, alguns países adotaram o processo de reagrupamento. Poderíamos seguir esse caminho.”

Moisés Hoegenn

Por ocasião das discussões – anteriores e posteriores – à promulgação da Constituição de 1988, uma das críticas surgidas dizia respeito à ausência de restrições à criação de novos municípios. Alçados à categoria de entes federativos pela nova Constituição, os municípios passaram a ter ampla autonomia política, financeira e administrativa. Como, simultaneamente, a nova Carta alterou as normas para emancipação, acabou proporcionando um aumento exponencial do número de municípios, muitos dos quais com menos de 5.000 habitantes, entre 1988 e 1996, ano em que uma emenda ao texto constitucional restringiu as emancipações.

Em esclarecedor artigo, Cristina Thedim Brandt, economista e consultora legislativa do Senado Federal, alerta para a gravidade da situação: “Ao comparar o dispositivo constitucional estabelecido em 1988 às regras da LCP no 1, de 1967, fica claro que a ausência de parâmetros mais restritivos, aliada ao aumento de recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), foi decisiva para que na década seguinte à promulgação da Constituição ocorresse uma verdadeira explosão de novos municípios no País”.

Em trecho posterior do mesmo artigo, a autora revela que “das 5.564 municipalidades existentes em 2007[1], 1.364 – quase um quarto do total – foram instaladas nos últimos 18 anos. Além do significativo montante, destaca-se o fato de que, entre os novos municípios, mais da metade possui menos de 5.000 habitantes”.

Para agravar o quadro, como bem observou Rafael Vanzella, sócio do escritório Machado Meyer, “a Constituição de 1988 facilitou a abertura de novos municípios e estabeleceu um rol de atribuições às prefeituras, mas não previu contrapartidas. Ou seja, não tem dinheiro para tudo”.

Esse furor emancipatório deixou como legado uma quantidade enorme de municípios que se constitui numa gigantesca máquina pública, representada por prefeituras, câmaras municipais e outros organismos, sem a menor condição de se sustentar financeiramente.

Daí a oportuna inclusão no conjunto de medidas formuladas pelo Ministério da Fazenda e anunciadas pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 5 de novembro. De acordo com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), municípios com menos de 5.000 habitantes e arrecadação proposta menor que 10% da receita total serão incorporados pelo município vizinho. A PEC indica que a brecha para fusão de municípios começaria a vigorar a partir de 2026. Uma lei complementar terá de ser aprovada até esta data a fim de que seja definido o processo de fusão.

Segundo estudos da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), “só no grupo dos 1.872 municípios que não geram receita para bancar a máquina pública, a consolidação representaria uma economia de R$ 6,9 bilhões por ano ao País”.

Evidentemente, não faltarão oponentes à proposta do governo e não será fácil conseguir sua aprovação no Congresso. A intenção, porém, é mais do que oportuna, Afinal, como não foram atendidos os avisos sobre a necessidade de prevenir os excessos, resta agora a tarefa muito mais complexa e difícil de tentar remediar a situação.

Referências bibliográficas e webgráficas

BRANDT, Cristina Thedim. A criação de municípios após a Constituição de 1988: O impacto sobre a repartição do FPM e a Emenda Constitucional nº 15, de 1996. Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/198693/000897816.pdf?sequence=1.

PEREIRA, Renée. Fusão de municípios significaria economia de 6,9 bilhões ao País. Disponível em https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,fusao-de-municipios-significaria-economia-de-r-6-9-bi-ao-pais,70002473448

PRADO, Ney. Os notáveis erros dos notáveis. São Paulo: Editora Forense, 1987.

[1] Embora considerado o período até 2007, de acordo com a legislação, a maior parte dos municípios foi instalada até 2001, e apenas quatro em 2005.