Contribuições seminais no debate sobre as Instituições: a Escola Histórica Alemã

Eduardo José Monteiro da Costa[1]

“O ensino da história se ressente quando pouca atenção se dispensa ao seu aspecto econômico; e a teoria econômica se torna monótona quando divorciada de seu fundo histórico.”

Leo Huberman (1986, Prefácio)

Em 1990 Douglass North publicou o livro Instituições, mudança institucional e desempenho econômico como resultado amadurecido de décadas de pesquisas no campo da história econômica e, principalmente, no que diz respeito ao papel das instituições e da mudança institucional na dinâmica de desenvolvimento das sociedades. Logo no prefácio de sua obra o autor anuncia: “A história importa. Importa não só porque podemos aprender com o passado, mas também porque o presente e o futuro estão relacionados com o passado por meio da continuidade das instituições de uma sociedade. As escolhas de hoje e de amanhã são moldadas pelo passado, e o passado só pode se tornar inteligível como um caso de evolução institucional. Integrar as instituições à teoria econômica e à história econômica é um avanço essencial no aperfeiçoamento dessa teoria e dessa história.”[2]

Nesse livro, North traça as linhas gerais de uma teoria das instituições e da mudança institucional, sublevando o foco na questão da cooperação humana, em especial as formas de cooperação que possibilitam explicar as diferentes trajetórias logradas pelas nações, algumas de riqueza e prosperidade, outras de pobreza e miséria. Contudo, North, em que pese o seu protagonismo contemporâneo, não foi o autor seminal no debate sobre o papel das instituições na economia, seguiu e aprofundou um debate que se iniciara a mais de duzentos anos e que foi paulatinamente ganhando corpo e amadurecendo, mesmo que de forma periférica na academia.

Friedrich List em 1841, ao publicar a obra O Sistema Nacional de Economia Política, estabeleceu um importante contraponto entre a visão liberal inglesa da economia e a teoria ricardiana das vantagens comparativas, destacando a importância das instituições sociais e das condições objetivas dadas por instituições livres para o desenvolvimento da economia nos territórios germanófonos, ao lado de um claro papel institucional do Estado na defesa da indústria nascente[3]. A importância desse estudo está justamente no fato, apesar de suas deficiências teórico-metodológicas, de ter inaugurado uma agenda de pesquisa que seria enfrentada pela Escola Histórica Alemã (EHA) [4], ou também chamado por alguns de Escola Institucionalista Alemã.

Friedrich List

As análises desenvolvidas por essa escola partiam do pressuposto de que as categorias econômicas são detentoras de um caráter histórico, sendo inadequada a transposição de metodologias utilizadas nas ciências naturais para as ciências sociais. Haveria, assim, a necessidade de elaboração de uma metodologia específica capaz de dar sustentabilidade analítica à análise histórica e capaz de identificar tendências de comportamento humano oriundas de atitudes psicológicas, compreendendo que este ser está imerso em um complexo social.

Em contraposição ao individualismo metodológico assentado nas decisões maximizadoras, egoístas e utilitaristas do “Homem Econômico”, haveria um volksgeist (“espírito do povo”) que atuaria condicionando o processo de desenvolvimento das sociedades, cabendo a ciência econômica encontrar por meio da análise histórica as regularidades e as instituições que explicassem o desenvolvimento do capitalismo e das nações.

Partido da premissa da complexidade do comportamento humano, a análise econômica jamais poderia prescindir dos elementos subjetivos, o que compelia ao desafio de elaborar uma história não universalista capaz de compreender as singularidades de cada complexo social. Nesse desiderato, a cultura de um povo, os aspectos éticos e morais, os valores religiosos e as crenças, exerceriam decisiva influência na trajetória de uma sociedade.

Essa visão está claramente manifesta nas obras Der Moderne Kapitalismus[5] de Werner Sombart e Die Protestantische Ethik und der ‘Geist’ des Kapitalismus[6] de Max Weber, que se lançam no desafio de compreender o geist como representação das motivações dos agentes que nas suas perspectivas deveriam ser compreendidos como imersos em determinados sistemas socioculturais. Assim, enquanto Sombart procurou identificar as origens do capitalismo moderno procurando compreender o “espírito” de competição e acumulação aliado à racionalidade econômica[7], Weber buscou na Reforma Protestante a conformação de um padrão de comportamento mais adequado a lógica do capitalismo.

         

                         Werner Sombart                                                                                                   Max Weber

O trabalho desenvolvido pelos pesquisadores da EHA acabou exercendo influência na formação de novas escolas de pensamento, como a Escola Institucionalista Americana (EIA) no Século XX, trazendo efetivamente as instituições para dentro de uma agenda sistemática de pesquisa[8]. Por outro lado, em que pese não ser possível estabelecer uma relação de influência direta da EHA sobre a Nova Economia Institucional (NEI), em especial os trabalhos desenvolvidos por Douglass North, o resgate das contribuições seminais dessa escola de pensamento certamente enriquecerá o debate contemporâneo sobre o papel das instituições na economia, na dinâmica histórica e no desenvolvimento econômico. É nesse sentido que deixamos o estímulo para que a academia brasileira promova um resgate, ou uma redescoberta, das contribuições seminais deixadas pela EHA.

 

Referências bibliográficas

BETZ, Horst K. How does the Historical School Fit? History of Political Economy, vol.20 nº 3, Pp. 409-430, Duke University Press, Durham, 1988.

CHANG, Ha-Joon. Chutando a Escada: a estratégia de desenvolvimento em perpectiva histórica. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

DIAS, Lucas Cardoso Corrêa. A Escola Histórica Alemã de Economia Política. Belo Horizonte: Revista Multiface, vol. 3, 2015.

HODGSON, Geoffrey H. How Economics Forgot History: The problem of historical specificity in social science. London: Routledge, 2001.

HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1986.

MÁXIMO, Mário Motta de Almeida. A Guerra dos Métodos: a visão da Escola Histórica Alemã. XIV Encontro Regional da ANPUH-RIO. Rio de Janeiro, 19 a 23 de julho de 2010.

NORTH, Douglass. Instituições, mudança institucional e desempenho econômico. São Paulo: Três Estrelas, 2018.

PEUKERT, Helge. The Schmoller Renaissance. History of Political Economy, Vol.33, nº1, Spring, pp.71-116, 2001

RIHA, Thomas J. German Political Economy: The History of na Alternative Economics. International Journal of Social Economics, Vol.12, Nºs 3,4 e 5, pp.2-248, 1985.

SCHUMPETER, J. A. History of Economic Analysis. Nova Iorque, Routledge, 1987.

SHIONOYA, Yuichi. The Soul of the German Historical School: methodological essays on Schmoller, Weber and Schumpeter. Boston: Springer, 2005.

STREISSLER, Erich; MILFORD, Karl. Theoretical and Methodological Positions of German Economics in the Middle of the Nineteenth Century. History of Economic Ideas, v. 1/2 n. 3/1, pp. 43 – 79, 1993.

TRIBE, Keith. Strategies of Economic Order: German Economic Discourse 1750-1950. Cambridge University Press, 2007.

WEBER, Max. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

 

 

[1] Doutor em Economia pela Unicamp e professor da UFPA. Correio eletrônico: ejmcosta@gmail.com
[2] North (2018, p. 9).
[3] Ha-Joon Chang, professor e pesquisador da Universidade de Cambridge, quando da publicação em 2002 do livro Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica, resgata as ideias originais de List e afirma (Chang, 2004, p. 15):  “Ela também é interessante pelo grau assombroso de sofisticação na compreensão do papel da política e das instituições públicas no desenvolvimento econômico.” Chang prossegue citando o próprio List (1885 apud Chang 2004, p. 15): “Por industriosos, parcimoniosos, inventivos e inteligentes que sejam, os cidadãos individuais não podem compensar a falta de instituições livres. A história também ensina que os indivíduos derivam grande parte de sua energia produtiva das instituições sociais e das condições que lhes são dadas.”
[4] Usualmente a Escola Histórica Alemã é dividida em três vertentes: a velha escola histórica (Wilhelm Roscher, Karl Knies, e Bruno Hildebrand); a nova escola histórica (Gustav von Schmoller, Etienne Laspeyres, Karl Bücher e Lujo Brentano); e a novíssima escola histórica (Arthur Spiethoff, Werner Sombart e Max Weber), existindo  diferenças metodológicas entre elas e, inclusive, um debate sobre a possibilidade ou não desse corpo analítico ser considerada uma escola de pensamento. Contudo, como não é o objetivo deste artigo entrar nestes pormenores, recomendamos os seguintes trabalhos para quem quiser se aprofundar no assunto: Rhia (1985), Schumpeter (1987), Betz (1988), Streissler e Milford (1993), Peukert (2001), Hodgson (2001), Shionoya (2005), Tribe (2007), Máximo (2010), Hansen (2012) e Dias (2015).
[5] Em português: O Capitalismo Moderno.
[6] Em português: A ética protestante e o “Espírito” do Capitalismo. Apesar da tradução em português no título do livro ser “espírito”, o termo geist pode também ser traduzido para o português, dependendo do contexto, como consciência, mente, intelecto, ânimo ou até mesmo fantasma.
[7] Em Der Moderne Kapitalismus, Werner Sombart procura diferenciar o capitalismo moderno dos sistemas anteriores em função da organização baseada na propriedade privada e economia de trocas, das tecnologias desenvolvidas a partir do século XVIII e dum “espírito” de competição e acumulação aliado à racionalidade econômica. Para uma maior imersão no assunto recomenda-se Riha (1985).
[8] A influência da EHA na EIA é assinalada por Schumpeter (1987), Hodgson (2001) e Máximo (2010).