Que falta faz Roberto Campos!

 

 

“O bem que o Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito. O que ele nos pode dar é sempre menos do que nos pode tirar.”

Roberto Campos

Roberto Campos nasceu em 17 de abril de 1917. Estaria, portanto, completando 102 nos no dia de hoje.

Foi, seguramente, um dos mais notáveis homens públicos que o Brasil já conheceu, nas múltiplas tarefas que desempenhou ao longo de sua vida como diplomata, professor, executivo, ministro, parlamentar e escritor.

De origem humilde, o mato-grossense Roberto Campos obteve uma sólida formação humanista nos anos em que foi seminarista. Desistindo da vida religiosa, prestou concurso para o Itamaraty, conquistando a vaga no final da década de 1930, numa época em que quase todos os ingressantes pertenciam a famílias da elite brasileira.

Numa das vezes em que serviu nos Estados Unidos, cursou a graduação e o mestrado em economia, por reconhecer a importância de tal formação para o exercício não apenas de suas funções diplomáticas, mas também para outras atividades que poderia eventualmente vir a exercer.

Acabou se transformando num dos mais importantes economistas do Brasil, com várias passagens de destaque, a principal delas como ministro do Planejamento do governo de Castelo Branco. Nessa ocasião, juntamente com Otávio Gouveia de Bulhões, reestruturou a economia brasileira, destruída após o governo de João Goulart, criando uma série de instituições cuja relevância se estende até os dias de hoje.

Embora derrotado em muitas das batalhas, notadamente contra os tradicionais adversários do Brasil, o estatismo, a irresponsabilidade fiscal, o nacionalismo e o populismo, jamais esmoreceu diante das adversidades e dos adversários, a ponto de reconhecer: “Estive certo quando tive todos contra mim”.

Felizmente, viveu para testemunhar o triunfo de ideais que fizeram o mundo ficar parecido com o que sempre sonhou.

Em suas palavras: “Neste fim de século ressurgem tendências liberais sob a forma do capitalismo democrático. Este se baseia na convicção de que somente através do mercado se alcança a opulência, enquanto que para a preservação da liberdade o instrumento fundamental é a democracia. Ambos, opulência e liberdade são valores desejáveis. O mercado pode gerar opulência sem democracia, e a democracia, sem o mercado, pode degenerar em pobreza. Conciliar o mercado, que é o voto econômico, com a democracia, que é o voto político, eis a grande tarefa da era pós-coletivista – o século XXI”.

Homenagem em três livros

Por ocasião da comemoração do centésimo ano de seu nascimento, ele foi alvo de uma série de homenagens, entre as quais um seminário no Palácio do Itamaraty, do qual tive a honra de ser um dos participantes.

Como parte das homenagens a ele prestadas na ocasião, foi anunciada a publicação de três livros. Dois deles foram lançados na data de seu nascimento e o terceiro pouco mais de um ano depois.

O primeiro livro foi organizado pelo embaixador Paulo Roberto de Almeida e tem por título O homem que pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos.

Além de dois capítulos (um dos quais bastante extenso) de autoria do próprio Paulo Roberto de Almeida, o livro conta com as participações de Antonio Paim, Ives Gandra Martins, Rogério de Souza Farias, Ricardo Vélez Rodríguez, Reginaldo Teixeira Perez, Roberto Castello Branco, Rubem de Freitas Novaes, Carlos Henrique Cardim, Antônio José Barbosa e Paulo Roberto Kramer.

O segundo teve por organizadores o jurista Ives Gandra da Silva Martins e o economista Paulo Rabello de Castro, tendo o título de Lanterna na proa – Roberto Campos Ano 100.

Trata-se de uma coletânea de depoimentos de 62 autores, muitos dos quais participantes também do livro organizado por Paulo Roberto de Almeida, dividido em três partes. Na Parte I, intitulada Roberto por nossos olhos, os depoimentos versam sobre: 1. O homem; 2. O professor; 3. O diplomata; 4. O servidor. 5. O planejador. 6. O realizador; 7. O banqueiro; 8. O parlamentar; 9. O polemista; 10. O charmeur; 11. O amigo; 12. O “imortal”; 13. O filósofo; 14. O visionário; 15. O pensador.

Na Parte II, intitulada Roberto por seus próprios olhos, temos três capítulos: 1. Frases impagáveis; 2. Debates memoráveis; 3. Momentos inesquecíveis.

Por fim, a Parte III, intitulada Roberto pelos olhos do futuro, é constituída dos capítulos: 1. Constituição Brasileira; 2. Desenvolvimento; 3. Juros normais; 4. Estado eficiente; 5. Empresas estatais; 6. Câmbio livre; 7. Brasil no mundo; 8. Indústria; 9. Trabalho; 10. Liberdade; 11. Mobilidade; 12. Educação; 13. Democracia; 14. Tributos; 15. Empreendedorismo; 16. Capitalismo do povo; 17. Patrimônio ambiental.

O Epílogo, Revisitando Roberto Campos no ano 100, é assinado pelos organizadores Ives Gandra da Silva Martins e Paulo Rabello de Castro.

O terceiro, escrito pelo então presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Ernesto Lozardo, tem o título de OK, Roberto. Você venceu!: o pensamento econômico de Roberto Campos.

Em oito capítulos, Lozardo debruça sobre a trajetória múltipla de Roberto Campos, enfatizando, porém, os aspectos econômicos do seu pensamento e dando especial destaque ao debate travado com os estruturalistas ligados à Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), por conta da divergência quanto às formas de financiamento do desenvolvimento brasileiro.

Na sequência, Lozardo entrevista cinco personalidades que tiveram, de uma forma ou de outra, convivência com Roberto Campos. São eles Fernando Henrique Cardoso, Henry Kissinger, Antonio Delfim Netto, João Carlos Gandra da Silva Martins e Ernane Galvêas.

Em artigo em O Estado de S. Paulo, do dia 14 de abril, o jornalista Rolf Kuntz comenta o livro de Ernesto Lozardo, concluindo da seguinte forma: “Campos foi um exemplo de refinamento intelectual, de bom humor, de civilidade no debate e do ceticismo tão comum entre os liberais. Tendo sido seminarista, nunca foi, na vida pública, um pregador de verdades absolutas. Seria hoje, um tipo meio estranho em Brasília”.

Naturalmente, há muitas superposições nos três livros, embora cada um deles tenha méritos suficientes para justificar a homenagem a que se propõem seus autores/organizadores. Nos três podem ser constatadas as qualidades supracitadas, apropriadamente, por Rolf Kuntz.

São leituras que, seguramente, serão de grande interesse para estudiosos, pesquisadores e admiradores de Roberto Campos. Não dispensam, no entanto, a leitura de A lanterna na popa, sua extraordinária autobiografia.

 

 

 

 

Referências bibliográficas e webgráficas

 

ALMEIDA, Paulo Roberto de (Organizador). O homem que pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos. Curitiba: Appris, 2017.

CAMPOS. Roberto. A lanterna na popa: memórias. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994.

KUNTZ, Rolf. Campos, o liberal que ousava planejar. O Estado de S. Paulo, 14 de abril de 2019. Disponível em https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,campos-o-liberal-que-ousava-planejar,70002790471?utm_source=estadao:whatsapp&utm_medium=link.

LOZARDO, Ernesto. OK, Roberto. Você venceu!: o pensamento econômico de Roberto Campos. Rio de Janeiro: Topbooks, 2018.

MARTINS, Ives Gandra da Silva; CASTRO, Paulo Rabello de (Organizadores). Lanterna na proa – Roberto Campos Ano 100. São Luís, MA: Resistência Cultural, 2017.