Necessidade de arejamento e atualização
Esvaziamento dos Cursos de Economia
“Quando questionados, os economistas defendem essa abstração extrema, dizendo que o fazem em prol da ‘simplicidade’. Eu entendo que às vezes é necessário simplificar para ver as coisas mais claramente. Mas quando a ‘simplificação’ significa ignorar os fatos essenciais, ela vai longe demais. Diz-se que Albert Einstein falou a seguinte frase: ‘Tudo deveria ser feito da maneira mais simples possível, mas não mais simples do que isso’. A teoria econômica predominante torna tudo ‘muito simples’ e, com isso, ignora a realidade.”
Muhammad Yunus
O Dia do Economista é comorado anualmente no dia 13 de agosto. Por isso, diversas instituições promovem semanas acadêmicas ao longo do mês. Já tive inúmeras oportunidades de organizar, na FAAP, ou de participar, na condição de palestrante em outras instituições, de eventos dessa natureza.
Neste ano, participarei da programação da Semana do Economista em Pernambuco, Mato Grosso do Sul e Bahia, além de acompanhar a organização da mesma na FAAP.
No Mato Grosso do Sul, onde darei palestras em Campo Grande e em Ponta Porã, focalizarei, a pedido do Corecon-MS, o tema “Novas linhas de pesquisa nas Ciências Econômicas”. A completa ausência de qualquer abordagem a várias dessas linhas de pesquisa num significativo número de cursos de economia constitui-se, em minha opinião, num dos fatores responsáveis pelo crescente esvaziamento desses cursos, tema deste artigo, que é uma variação do que escrevi para a revista do Corecon-MS.
A matéria de capa da revista Ensino Superior, publicada pelo Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp) tem o título de Explosão dos diplomas e focaliza a expansão do número de ingressantes em cursos de nível superior verificada nos últimos anos. De acordo com a referida matéria, o financiamento estudantil e o bom momento vivido pela economia brasileira são algumas das explicações para essa expansão.
No entanto, um exame detalhado dos números disponibilizados pelo Ministério da Educação revela que a expansão mencionada na revista do Semesp não se verifica nos cursos de Ciências Econômicas. O que se observa é que embora não tenha havido uma redução do número de cursos ao longo dos últimos dez anos, ocorreu uma sensível redução do número de alunos por curso, em especial nos da rede privada, de tal forma que a demanda pelas vagas oferecidas pelos cursos existentes no Brasil é atualmente consideravelmente menor do que a de algumas décadas atrás, como pode ser observado na tabela 1.
Tabela 1 – Número de cursos de economia, de matrículas em cursos presenciais e
de concluintes em cursos presenciais 200-2010
NÚMERO DE CURSOS DE ECONOMIA | ||||||||||||
ANOS | 2000 | 2001 | 2002 | 2003 | 2004 | 2005 | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | TX |
REDE | MÉDIA | |||||||||||
Privada | 171 | 175 | 182 | 179 | 175 | 180 | 171 | 165 | 163 | 142 | 132 | ANO |
Nº INDICE | 100 | 102 | 106 | 105 | 102 | 105 | 100 | 96 | 95 | 83 | 77 | |
Pública | 78 | 82 | 84 | 88 | 91 | 92 | 113 | 112 | 112 | 113 | 137 | |
Nº INDICE | 100 | 105 | 108 | 113 | 117 | 118 | 145 | 144 | 144 | 145 | 176 | 5.79% |
TOTAL | 249 | 257 | 266 | 267 | 266 | 272 | 284 | 277 | 275 | 255 | 269 | |
Nº INDICE | 100 | 103 | 107 | 107 | 107 | 109 | 114 | 111 | 110 | 102 | 108 | 0.78% |
NÚMERO DE MATRÍCULAS EM CURSOS PRESENCIAIS | ||||||||||||
ANOS | 2000 | 2001 | 2002 | 2003 | 2004 | 2005 | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | |
REDE | ||||||||||||
Privada | 38.194 | 36.695 | 35.263 | 32.516 | 29.741 | 27.379 | 24.876 | 22.527 | 22.015 | 19.704 | 18.558 | |
Nº INDICE | 100 | 96 | 92 | 85 | 78 | 72 | 65 | 59 | 58 | 52 | 49 | |
Pública | 27.220 | 27.323 | 28.112 | 29.068 | 29.279 | 29.782 | 29.629 | 30.107 | 30.272 | 30.859 | 31.882 | |
Nº INDICE | 100 | 100 | 103 | 107 | 109 | 109 | 109 | 111 | 111 | 113 | 117 | 1.58% |
TOTAL | 65.414 | 64.018 | 63.375 | 61.584 | 59.020 | 57.161 | 54.505 | 52.634 | 52.287 | 50.563 | 50.440 | |
Nº INDICE | 100 | 98 | 97 | 94 | 90 | 87 | 83 | 80 | 80 | 77 | 77 | |
CONCLUINTES DO CURSO DE GRADUAÇÃO PRESENCIAIS | ||||||||||||
ANOS | 2000 | 2001 | 2002 | 2003 | 2004 | 2005 | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | |
REDE | ||||||||||||
Privada | 4.413 | 4.160 | 4.621 | 4.505 | 4.526 | 4.771 | 4.132 | 3.384 | 3.134 | 3.367 | 2.928 | |
Nº INDICE | 100 | 94 | 105 | 102 | 103 | 108 | 94 | 77 | 71 | 76 | 66 | |
Pública | 2.834 | 3.045 | 3.033 | 3.256 | 3.288 | 3.344 | 3.231 | 3.404 | 3.551 | 3.555 | 3.405 | |
Nº INDICE | 100 | 107 | 107 | 115 | 116 | 118 | 114 | 120 | 125 | 125 | 120 | 1.85% |
TOTAL | 7.247 | 7.205 | 7.654 | 7.761 | 7.814 | 8.115 | 7.363 | 6.788 | 6.685 | 6.922 | 6.333 | |
Nº INDICE | 100 | 99 | 106 | 107 | 108 | 112 | 102 | 94 | 92 | 96 | 87 |
Elaboração: Carlos Roberto de Castro
Se o perverso tripé que caracterizou a realidade brasileira por toda a década de 1980 e início da década de 1990, constituído de estagnação prolongada, inflação crônica e pressão das dívidas serve para explicar a baixa demanda durante esse período, fica difícil entender as razões da manutenção da demanda reduzida após a conquista da estabilidade e da retomada de padrões razoáveis de crescimento na segunda metade da década de 1990 e boa parte da primeira década do novo milênio.
Mesmo com a queda nos níveis de crescimento registrada nos últimos quatro anos, a oferta de boas oportunidades de emprego permanece num patamar bastante satisfatório, principalmente para profissionais formados em cursos de formação sólida e abrangente como é o caso dos economistas.
Que razões podem ser apontadas para explicar a baixa demanda pelas vagas oferecidas por boa parte (não é a totalidade) dos cursos de Ciências Econômicas?
Sei que responder uma questão dessa natureza é muito complicado. A questão é complexa, envolve enorme gama de variáveis, e existem pontos de vista diversificados.
Polêmica à parte, arrisco-me a indicar pelo menos dois fatores que, a meu juízo, encontram-se por trás dessa baixa procura, além do fato de se tratar de um curso que exige muito do estudante, por ser estruturado em três pilares indissociáveis: formação teórica, métodos quantitativos e fundamentação histórica. Esse grau elevado de exigência, por si só, afugenta estudantes pouco propensos a “estudar pra valer”.
Porém, afora essa dificuldade, há em muitos cursos dois aspectos que contribuem decisivamente para a baixa procura. Um deles diz respeito à qualidade dos professores, que, pelas mais variadas razões, continuam utilizando métodos e recursos pedagógicos obsoletos, tornando as aulas um verdadeiro martírio. Parcela considerável desses professores justifica sua postura afirmando que os alunos é que são desinteressados, imaturos, e despreparados para as exigências de um bom curso superior.
Sem deixar de reconhecer que essa realidade é válida em alguns casos, não acredito que sirva como uma explicação generalizada. Com base em minha experiência pessoal e nas observações acumuladas em mais de trinta anos dedicados à docência, tenho absoluta convicção de que quando estimulados, desafiados e colocados na condição de protagonistas – e não de meros ouvintes passivos – os estudantes costumam responder de forma muito positiva, apresentando excelente desempenho acadêmico. Falta, portanto, arejamento e reciclagem de professores que preferem, por comodidade, utilizar as mesmas práticas há muito ultrapassadas, sem explorar os fantásticos recursos atualmente disponibilizados graças aos avanços da tecnologia e das comunicações. Vale observar que isto não é privilégio dos Cursos de Economia, uma vez que pode ser visto em várias outras áreas de conhecimento. Assim, se não explicam a redução no número de ingressantes, são, seguramente, parte da explicação para o elevado grau de abandono ou desistência registrado em muitas instituições.
O segundo fator que considero desestimulador reside na falta de atualização das grades curriculares, combinada com a ausência de preocupação em indicar de forma clara a estreita relação entre os aspectos teóricos abordados em sala de aula e as necessidades do mundo real. Nesse sentido, examinando as estruturas curriculares dos cursos de graduação em Ciências Econômicas, constata-se que em muitos deles a abordagem teórica se esgota nas proposições keynesianas e sua importância para a retomada do nível de atividade econômica a partir das agruras da Grande Depressão. Não há qualquer referência – ou, quando há, é muito pouca – a toda a produção teórica da segunda metade do século XX e da do início do século XXI.
Em consequência disso, muitos estudantes se graduam em Ciências Econômicas sem que jamais tenham visto ou ouvido qualquer menção a novas linhas de pesquisa ou correntes de pensamento extremamente atuais e interessantes, entre as quais a teoria dos jogos, as expectativas racionais, a economia novo-keynesiana, a teoria da escolha pública, a economia neoinstitucional, a economia comportamental, a economia criativa, a psicologia econômica e muitas outras. Deixam também de ter contato com as ideias de grandes economistas, cujas contribuições se tornaram consagradas nas décadas mais recentes. É o caso, entre outros, de nomes como Robert Lucas, John Nash, James Buchanan, Douglass North, Gary Becker, Joseph Stiglitz, Ronald Coase, Paul Krugman, James Heckman, Vernon Smith, Elinor Ostrom, George Akerlof, Oliver Williamson, Thomas Sargent, Robert Mundel e Amartya Sen.
Da mesma forma, desapareceram dos currículos – ou são focalizados de forma superficial e inadequada – fenômenos importantíssimos para a compreensão das relações econômicas do mundo globalizado, como é o caso, por exemplo, da demografia e, dentro dela, dos fluxos migratórios, objeto de meu artigo Cidade de chegada. Os aspectos aqui mencionados podem ser constatados não apenas através do exame das grades curriculares, mas também da bibliografia utilizada – de fato – pelos professores.
Assim, com aulas predominantemente monótonas e abordagens desatualizadas, sem uma renovação permanente, não fica tão difícil entender as razões pelas quais os jovens acabem dando preferência a outros cursos na hora de fazerem essa difícil escolha.
Iscas para ir mais fundo no assunto
Referências e indicações bibliográficas
BLAUG, Mark. Great economists since Keynes. Totowa, NJ: Barnes and Noble, 1985.
BUCHHOLZ, Todd G. Novas ideias de economistas mortos. Tradução de Luiz Guilherme Chaves e Regina Bhering. Rio de Janeiro: Record, 2000.
COUTELLE, José Eduardo. Explosão dos diplomas. Ensino Superior, ano 16, nº 189, julho de 2014, pp. 28-34.
FERREIRA, Vera Rita de Mello. Psicologia econômica: como o comportamento econômico influencia nas nossas decisões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
FIANI, Ronaldo. Teoria dos jogos. 2ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
KEYNES, John M. Teoria geral do emprego, do juro e do dinheiro. Apresentação de Adroaldo Moura da Silva; tradução de Mário R. da Cruz. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Economistas)
NASAR, Sylvia. A imaginação econômica: gênios que criaram a economia moderna e mudaram a história. Treadução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
O LIVRO da economia. Vários autores. Tradução de Carlos S. Mendes Rosa. São Paulo: Globo, 2013.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005.
SAUNDERS, Doug. Cidade de chegada. Tradução Sieben Groupp. São Paulo: DVS Editora, 2013.
Referências e indicações webgráficas
THE History of Economic Thought Website.http://cepa.newschool.edu/het/.
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