Julho, o mês que não terminou

 Imagem artigo Julho, o mês que não terminou

Duas datas para não esquecer

“Os dias talvez sejam iguais para um relógio,     mas não para um homem.”

Marcel Proust

 

Ufa! Chegamos a agosto. Tive a impressão de que julho não terminaria jamais, fazendo uma alusão ao consagrado livro de Zuenir Ventura, que fez uma fascinante reconstituição dos acontecimentos de 1968 no âmbito do país, focalizando os heróis dessa geração que queriam virar o mundo pelo avesso, seus dramas e paixões, suas lutas e vitórias, num relato fundamental para a compreensão do Brasil contemporâneo.

Com a Copa do Mundo tendo início no dia 12 de junho, a sensação que muitos tiveram, principalmente no Brasil, é que o recesso de meio de ano – normalmente associado ao mês de julho – tinha começado.

Obviamente, essa sensação foi ainda mais forte para quem é apaixonado por futebol, como é o meu caso. E também para quem milita na área acadêmica, para quem julho é “mês de férias”, como também é o meu caso.

Este longo julho de 2014 (aqui fazendo uma alusão ao economista político italiano Giovanni Arrighi) ficou – e ficará – irremediavelmente marcado pela humilhante derrota da seleção brasileira para a seleção alemã, por 7 a 1, no fatídico dia 8.

Embora amante do futebol, deixo a discussão deste assunto para mais tarde, até por acreditar que o legado da Copa realizada no Brasil está longe de poder ser avaliado em termos pelo menos próximos dos definitivos. Infelizmente, minha impressão é de que assim como o fracasso futebolístico não deixou grandes lições, como indica a forma como foi definida a troca do comando técnico da seleção brasileira, também no plano econômico-financeiro não é possível avaliar a extensão da conta a ser paga, entre outras coisas por conta da inexplicável construção de arenas caríssimas em locais em que o futebol está longe de atrair grandes públicos, como é o caso de Brasília, Manaus, Cuiabá e Natal. As três primeiras dessas quatro arenas, por sinal, são as que tiveram o maior custo por lugar entre todas as arenas construídas ou reformadas para a Copa do Mundo.

Para os interessados nesse tema, recomendo a excelente entrevista do economista Marcos Mendes, publicada na matéria do Jornal de Negócios de Portugal, indicada nas referências do final do artigo.

Felizmente o dia 8 não é a única data que não deve ser esquecida neste interminável mês de julho. Há outra, aliás, bem mais auspiciosa. Trata-se do dia 1º de julho, quando foi comemorado o vigésimo aniversário da entrada em circulação do real (R$).

Como observou Roberto Macedo, o Plano Real “pode ser visto como um parto de gêmeos. Primeiro nasceu a Unidade Real de Valor (URV), em 1º de março de 1994. Como papel moeda, o real, entretanto, só veio à luz no dia 1º de julho daquele ano”.

O lançamento da moeda, portanto, representou a conclusão da implantação de um plano que se mostrou um brilhante exemplo de engenharia econômico-financeira, que o distingue claramente dos fracassados planos de estabilização anteriores, baseados no congelamento/tabelamento de preços e salários, num período que foi chamado por alguns de “quinquênio dos pacotes”. Esses sucessivos planos fracassados desconsideraram o conteúdo de um livro lamentavelmente pouco conhecido entre nós, Forty centuries of wage and price controls, de Robert Schuettinger e Eamonn Butler. Escrito em 1979, e dedicado a Milton e Rose Friedman, o livro tem o sugestivo subtítulo How not to fight inflation. Embora difícil de ser encontrado, há uma versão em português, publicada em 1988 pela Editora Visão. Seria ótimo se todo potencial integrante de uma equipe responsável pela gestão econômica de um país tomasse conhecimento dessa obra.

A estabilidade conseguida a partir do Plano Real gerou uma nova realidade no Brasil e se constitui num extraordinário exemplo de conquista social, principalmente para as pessoas de baixa renda, que eram as mais prejudicadas pelo imposto inflacionário.

Ao completar 20 anos, o real atinge um grau de longevidade que há muito não ocorria no Brasil, como pode ser observado na tabela 1, reproduzida da homepage do Banco Central.

Duas matérias publicadas recentemente destacaram a importância de uma moeda sólida e respeitável. Uma delas saiu no editorial de 27 de fevereiro de O Estado de S. Paulo: “Como o ar, a água, as praças e a ordem democrática, a moeda é um bem público e a sua preservação é uma das obrigações mais importantes do poder político”. A outra, num artigo de Gustavo Franco para a publicação Notícias do Congresso: “Havia muita coisa em jogo no plano simbólico: a moeda, como a bandeira e o hino, está entre os mais importantes símbolos nacionais, de tal sorte que sua degradação, quando levada ao extremo de uma hiperinflação, espalhava suas consequências para muito além da órbita econômica”.  

 

Tabela 1 – Padrões monetários no Brasil

 Tabela 1 artigo julho o...

Fonte: Banco Central do Brasil

Como vivi e senti na pele os terríveis efeitos da inflação crônica e elevada existente em nosso país por mais de uma década, valorizo entusiasticamente o vigésimo aniversário da mudança possibilitada pelo Plano Real e que tem no real um de seus símbolos mais relevantes.

Torço imensamente pela manutenção da estabilidade e me preocupo com o surgimento de alguns sintomas que podem por em risco a referida estabilidade. Por isso, encerro este artigo reproduzindo mais um trecho do já mencionado editorial de O Estado de S. Paulo:

Com o real, o brasileiro passou a dispor de novo de uma moeda respeitável e adequada às funções clássicas de meio de troca, unidade de conta e reserva de valor. Como tantas outras conquistas, essa também é reversível. Nenhuma moeda é indestrutível quando se combinam por algum tempo a tolerância à inflação, a irresponsabilidade fiscal e o populismo..

 
Iscas para ir mais fundo no assunto
Referências e indicações bibliográficas

A REVOLUÇÃO do real. O Estado de S. Paulo. 27 de fevereiro de 2014, p. A 3.

ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: Contraponto, 2012.

BACHA, Edmar. ‘Sucesso do Real tem de ser relativizado’. Entrevista a Vinicius Neder. O Estado de S. Paulo, 3 de julho de 2014, p. B 4.

CALDAS, Suely. Real, um genial invento incompleto. O Estado de S. Paulo, 6 de julho de 2014, p. B 2.

DESAFIO aos desanimados. O Estado de S. Paulo, 14 de março de 2014, p. A 3.

FILGUEIRAS, Luiz Antonio Mattos. História do Plano Real: fundamentos, impactos e contradições. São Paulo: Boitempo Editorial, 2000.

FRANCO, Gustavo. 20 anos da URV e do Plano Real. Jornal Notícias do Congresso Nacional. IDELB, ano III, nº 11, janeiro/fevereiro/março de 2014, p. 25.

GIANNETTI, Eduardo. Ética e inflação. O Estado de S. Paulo, 14 de julho de 1992.

GUANDALINI, Giuliano. As ameaças ao Real no seu 20º aniversário. Veja, 2 de julho de 2014, pp. 54-64.

MACEDO, Roberto. Plano Real, sinfonia inacabada. O Estado de S. Paulo, 20 de março de 2014, p. A 2.

_______________ O real no seu 20º aniversário. O Estado de S. Paulo, 3 de julho de 2014, p. A 2.

MALAN, Pedro. 20 anos do Real: significado e futuro. O Estado de S. Paulo, 9 de março de 2014, p. A 2.

O QUINQUÊNIO dos pacotes. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, Notas, Nº 5, janeiro de 1991.

SCHUETTINGER, Robert L. and BUTLER, Eamonn F. Forty centuries of wage and price controls: how not fight inflation. Heritage Foundation, 1979.

SOLIMEO, Marcel e TROSTER, Roberto Luis (editores). Plano Real: acabou? São Paulo: Makron Books, 1999.

VENTURA, Zuenir. 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

Referências e indicações bibliográficas 

JORGE, Rui Peres. Depois da ressaca no futebol chegará a ressaca financeira. Jornal de Negócios, Portugal, pp. 4-5. Disponível em http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/desporto/mundial/detalhe/depois_da_ressaca_no_futebol_chegara_a_ressaca_financeira.html

LOURENÇO, Gilmar Mendes. O real, vinte anos depois. Gazeta do Povo, 26 de junho de 2014. Disponível em http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1479439&tit=O-real,-20-anos-depois

MACHADO, Luiz Alberto. Plano Real: 15 anos de reconquista da dignidade e da cidadania. Disponível em http://www.institutocidadania.org.br/_paulosaab/Html/_cid_art_013.html

PIRES, Luciano. 20 anos de Real. Disponível em http://www.portalcafebrasil.com.br/artigos/20-anos-de-real?utm_source=Newsletters&utm_medium=email&utm_campaign=20+anos+de+Real.