A África no Sistema Internacional

 

Desafios e oportunidades

 

“Embora ainda sem organização e de forma difusa,

verifica-se na África de hoje uma renovação social

 e cultural, em que movimentos de manifestação de

uma cultura popular tipicamente urbana se mesclam

 com valores da sociedade tradicional, criando a

possibilidade de surgimento de uma nova

forma de organização da sociedade.”

Marina Gusmão de Mendonça

 

Na qualidade de vice-diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), tive oportunidade de acompanhar a palestra do professor Fernando Jorge Cardoso[1], da Universidade Fernando Pessoa, localizada na cidade do Porto, no norte de Portugal, um dos maiores experts em assuntos envolvendo o continente africano. Realizada nas dependências da Embaixada de Portugal, em Brasília, dia 13 de maio, foi uma verdadeira aula sobre um tema totalmente desconhecido pela maior parte dos brasileiros.

Considerando, de um lado, que uma das características mais marcantes do mundo globalizado é a interligação e a interdependência dos mercados físicos e financeiros em escala planetária e, de outro, a importância crescente dos países emergentes nos principais fóruns internacionais, seria de se supor que nosso conhecimento sobre os novos atores do sistema internacional fosse generalizado.

Não é isso, no entanto, o que se observa. Em especial com os países da África, que permanece, entre nós, como uma espécie de continente esquecido, lembrado apenas quando nos deparamos com notícias de pobreza e miséria ainda predominantes em extensa parte de seu território. Os avanços e as contribuições que têm surgido em terras africanas raramente recebem o destaque que seria de se esperar por parte dos meios de comunicação, o que nos deixa, infelizmente, com uma visão desfavorável e – pelo menos parcialmente – distorcida daquele vasto continente.

Diante disso, foi muito interessante conhecer, de um dos mais respeitados especialistas em estudos africanos, seus pontos de vista a respeito dos desafios e oportunidades da África nesse momento de reordenação do sistema internacional.

O professor Cardoso iniciou sua exposição apresentando alguns dados referentes ao continente africano e, a seguir, dividiu sua fala em quatro partes, cada uma delas voltada mais diretamente a um determinado aspecto da realidade africana.

Na primeira parte, em que focalizou o crescimento econômico recente da região, o professor Cardoso afirmou que as décadas de 1980 e 1990 foram terríveis para boa parte dos países africanos, ao contrário do que vem ocorrendo nos primeiros dez anos deste novo século, quando vários países do continente têm apresentado um crescimento anual médio de 5 a 7%.

Ao tomar conhecimento desse desempenho, muita gente pergunta a que ele se deve e se poderá ser mantido. Segundo o professor Cardoso, por trás desse bom desempenho estão o aumento das exportações de minérios e commodities, de tal forma que uma interrupção das importações teria efeito imediato sobre os países da região. Em outras palavras, a África seguirá crescendo enquanto o mundo estiver crescendo. É por isso que a grave crise econômica que assolou o mundo a partir do final de 2008, circunscrita, principalmente, ao setor financeiro, teve impacto reduzido sobre o desempenho dos países africanos.

Na segunda parte, o professor Cardoso fez referência á existência de graves conflitos em mais de vinte dos 54 países do continente, quarenta e oito dos quais situados na chamada África Subsaariana. Nessa época, houve uma mudança de paradigma no que tange às relações internacionais. Até então, era comum culpar os países desenvolvidos pelos problemas que assolavam a região e discursos e práticas assistencialistas por parte destes últimos eram quase sempre bem recebidos. Com a mudança, praticamente desapareceu a culpabilização dos países desenvolvidos, juntamente com a boa acolhida aos discursos assistencialistas. Em seu lugar, cresceu a consciência de que as relações entre países envolvem negócios e, nesse sentido, discursos e práticas assistencialistas passaram a ser vistos com crescente desconfiança.

Na terceira parte, o professor Cardoso referiu-se á acentuada mudança quanto à percepção da importância estratégica da África em decorrência do fim da Guerra Fria, no início da década de 1990. Sem a disputa entre as duas grandes superpotências observada até então, o continente africano deixou de despertar grande interesse da única potência remanescente, os Estados Unidos da América. A percepção da importância estratégica da região só voltou a crescer depois do atentado ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001 e de outras ações envolvendo grupos terroristas. Afinal, há fundadas razões para crer que algumas partes do continente africano têm sido utilizadas não apenas para o treinamento de integrantes desses grupos, mas também como pontos importantes para o tráfico de drogas, armas e diamantes.

Na quarta e última parte de sua palestra, o professor Cardoso fez uma análise do fluxo de investimentos estrangeiros na África e, nesse particular, destacou a expansão e diversificação das inversões chinesas, de longe, as que mais crescem no continente. Complementando essa informação, o especialista disse que em comparação com o volume dos investimentos chineses na África, o dos outros integrantes do BRIC – Brasil, Rússia e Índia – são praticamente desprezíveis.

 

Referências e indicações bibliográficas

HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos: o breve século XX (1914 – 1991). Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

MENDONÇA, Marina Gusmão de. Os impasses no processo de construção dos modernos Estados africanos. Revista de Economia & Relações Internacionais, volume 2, número 4, janeiro de 2004, pp. 67 – 78.

Referências e indicações bibliográficas

CARVALHO, Olavo de. A África às avessas. Disponível emhttp://www.olavodecarvalho.org/semana/090914dc.html.

[1] Doutor em Economia, professor catedrático da Universidade Fernando Pessoa, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, especialista em estudos africanos e do desenvolvimento, tendo vasta experiência na direção de projetos, sendo os mais recentes com livros editados Europa-África: uma estratégia comum (2008) e Diplomacia, Cooperação e Negócios: o papel dos atores externos em Angola e Moçambique (2007).