Foco no passado, desconfiança nas instituições e falta de sintonia

 

“O desempenho econômico é função das instituições e da sua evolução. Juntamente com a tecnologia empregada, elas determinam os custos de transação e produção.”

Douglass North

 

Passados quarenta dias da posse do novo governo e tomando por base diversas declarações ou entrevistas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de alguns de seus ministros, fico com duas convicções: 1ª. Parece que estamos ainda em plena campanha política e com olhos no retrovisor, num discurso completamente oposto ao do tom conciliatório (governo de pacificação) propagado após a vitória eleitoral; 2ª. Os integrantes do governo não levam em conta que o respeito às instituições é fundamental para a formação das expectativas e estas, por sua vez, são determinantes para o bom (ou mau) desempenho da economia.

Exemplos para corroborar essas convicções não faltam. Cito apenas quatro colhidas em diferentes momentos de dois integrantes do governo.

Do presidente Lula:

“Eu herdei um país semidestruído. Quando deixamos a Presidência o Brasil era a 6ª economia do mundo, agora voltamos e o Brasil é a 13ª. Esse é um desafio que não me deixa triste. É um desafio que me dá coragem”.

“O Brasil não tinha mais fome quando deixei a Presidência e hoje temos 33 milhões de pessoas passando fome. Isso significa que tudo que fiz de política social durante 13 anos de governo foi destruído em 7 anos. Três do golpista Michel Temer e 4 do governo Bolsonaro. Por isso o tema do meu governo é ‘União e Reconstrução'”.

“O que acontece é que a gente conversava. Esse país está dando certo? Esse país está crescendo? O povo está melhorando de vida? Não. Então, eu quero saber de que serviu a independência. Eu vou esperar esse cidadão [Roberto Campos Neto, presidente do BC] terminar o mandato dele para a gente fazer uma avaliação do que significou o Banco Central independente”.

Do ministro Fernando Haddad:

“No Brasil, em função do engajamento de algumas empresas com o governo extremista que foi derrotado, muita gente deixou de consumir os produtos dessas empresas no Brasil. […] Eu sou um que não consumo sem prestar atenção de quem que eu estou adquirindo o produto. Eu não compro nem um palito de fósforo de uma empresa que não tenha compromisso com essas questões.”

São declarações – e outras tantas poderiam ser citadas – que, ao invés de sinalizarem para uma pacificação desejável depois de tanto tempo de polarização exacerbada, fazem exatamente o contrário, estimulando o surgimento de reações das pessoas ou instituições atingidas e assustando eventuais investidores locais e estrangeiros. A situação assume ainda  maior gravidade se considerarmos que essas declarações foram feitas fora do País: as duas primeiras de Lula em visita a Montevidéu; e a de Haddad em Davos.

Não consigo deixar de pensar na extrema atualidade da teoria institucionalista de Douglass North, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1993, para a realidade vigente no Brasil. No trecho que se segue, North[1] cita Friedrich Hayek, outro ganhador do Prêmio Nobel de Economia, para falar da importância das instituições:

Em um mundo de incertezas, ninguém sabe a solução correta para os problemas que enfrentamos, como afirmou acertadamente Hayek. Portanto, as instituições devem estimular os ensaios e eliminar os erros. Um corolário lógico disso é a descentralização das decisões, permitindo à sociedade explorar diversas formas alternativas de resolução de problemas.

Prosseguindo em sua análise, continua North, agregando dois conceitos herdados de Adam Smith, a especialização (divisão do trabalho) e o autointeresse:

As categorias de especialização e conhecimentos potencialmente compensadores são função da estrutura de incentivos inerentes à matriz institucional. Se. em determinada sociedade, a pirataria oferece um retorno mais atraente, as organizações investirão em conhecimentos e especializações que as preparem para serem melhores piratas; se for mais compensatório aumentar a produtividade, empresas e outras organizações investirão em especializações e conhecimentos que as ajudem a atingir esse objetivo.

Na conclusão de seu raciocínio, North defende a combinação da democracia no plano político, da economia de mercado no plano econômico e do respeito ao direito de propriedade, adicionando, nesse aspecto, a contribuição de outro laureado com o Nobel de Economia, Ronald Coase:

Em linhas gerais, os estados democráticos e as economias de mercado descentralizadas e com regimes de direitos de propriedade bem definidos e aplicados são o que mais se aproxima hoje de um arcabouço institucional eficiente, do ponto de vista da adaptabilidade. Essa generalização, entretanto, comporta grandes variações, mesmo entre as economias ocidentais, na forma pela qual os estados e economias tratam as questões relativas ao desenvolvimento.

Quem chamou a atenção para os riscos dessas declarações inoportunas e até de uma certa falta de sintonia entre o presidente Lula e seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi Gilberto Kassab, presidente do PSD e reconhecidamente um dos mais competentes atores do cenário político nacional. Em recente entrevista, Kassab afirmou:

O presidente Lula, nesses primeiros dias, tem demonstrado em relação à economia, com as suas manifestações, que ele quer dar uma guinada e isso é muito perigoso. Acho que está faltando um pouco de sintonia entre ele e o ministro Haddad [da Fazenda] e isso pode gerar junto aos investidores uma intranquilidade, uma insegurança, o que não é bom para o país e muito menos para o seu governo.

Como espero o melhor para o Brasil, independentemente do nome do presidente ou do partido que está no poder, torço para que o governo que ora se inicia passe a olhar para o futuro, respeite as instituições e consiga maior entrosamento de seus integrantes.

 

Referências 

COASE, Ronald H. The Nature of the Firm (1937). In: WILLIAMSON, O. E.; WINTER, Sidney G. (eds.). The Nature of The Firm. New York, Oxford: Oxford University Press, 1993, p. 18-33.

NORTH, Douglass C. Custos de Transação, Instituições e Desempenho Econômico. Tradução de Elizabete Hart. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1994.

SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas (2 volumes). Apresentação de Winston Fritsh; tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Economistas).

[1] Todas as citações de Douglass North foram extraídas da tradução de Elizabete Hart para a publicação, pelo Instituto Liberal, do original intitulado Transaction Costs, Institutions, and Economic Performance, publicado no volume 30 da série Occasional Papers, editada pelo International Center for Economic Growth (ICEG).