Conteúdo X forma: difícil equilíbrio

 “Num evento científico, o fulgurante  jogo de luzes atropelou o que deveria ser uma serena discussão de ideias.”

Claudio de Moura Castro

 

Na seção Espaço Aberto da edição do dia 3 de abril do jornal O Estado de S. Paulo, o economista Claudio de Moura Castro, que se especializou em temas relacionados à educação, ciência e tecnologia, escreveu um artigo intitulado “A colisão da ciência com a civilização do espetáculo”, examinando o instável equilíbrio entre conteúdo e forma.

No referido artigo, Moura Castro afirma ter sido estimulado a fazer tal reflexão ao participar de um evento que discutia ciências e suas aplicações. Como é comum em eventos de grande porte dessa natureza, as atrações dividem-se em duas partes: numa delas, as empresas expositoras exibem seus produtos e serviços em stands de diferentes tamanhos; na outra, conferencistas se apresentam em salas e/ou auditórios.

A tendência verificada nos últimos anos aponta para uma crescente preocupação com aspectos ligados à forma, tanto na preparação dos stands como nas próprias conferências, sendo exemplo destas últimas os lançamentos dos produtos da Apple na época de Steve Jobs, transformados em verdadeiras superproduções.

Essa preocupação cada vez maior com a forma, que se vale muitas vezes dos formidáveis efeitos proporcionados pela tecnologia e pela automação, tem provocado uma deturpação no mínimo questionável, qual seja, fazer com que a pessoa fique mais impressionada com a forma do que com o conteúdo que lhe está sendo apresentado.

Tal deturpação não é nova e foi brilhantemente captada por Mario Vargas Llosa, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 2010, no livro A civilização do espetáculo. No referido livro, Vargas Llosa faz uma dura crítica ao que considera a banalização da educação, da arte, da religião, do sexo, da política, da economia e de tantos outros temas que convergem para a formação de uma cultura baseada no “espetáculo”, entendida como cultura da diversão.

A leitura do artigo de Moura Castro me fez refletir como essa colisão entre conteúdo e forma está presente no nosso cotidiano, nos mais diversos segmentos de atividades, impondo ao receptor da mensagem o desafio permanente de separar o joio do trigo, evitando confundir o essencial com o acessório.

Sem puxar muito pela memória, seguem-se alguns exemplos que ilustram essa colisão.

Conheço inúmeros palestrantes e professores que possuem reconhecido conteúdo, mas que são fraquíssimos como expositores, chegando a dar sono aos ouvintes. Também conheço muitos que, ao contrário, são excelentes expositores, capazes de fazer apresentações dinâmicas e divertidas, porém, com pouco conteúdo, de tal forma que, passado o encanto imediato provocado pela exposição, não sobra quase nada de aproveitável na memória.

Acontece o mesmo com filmes ou peças de teatro, em que muitas vezes os efeitos especiais se superpõem à qualidade do enredo, à atuação dos artistas ou à relevância dos temas.

Vale a pena chamar a atenção para esse possível conflito entre meio e mensagem (ou conteúdo e forma) num ano eleitoral como é o de 2022 no Brasil, para as campanhas dos políticos que disputarão os votos de milhões de brasileiros nas eleições de outubro próximo. Neste caso, com uma agravante: não basta separar o conteúdo da forma; é preciso, mais do que nunca, estar atento a detalhes ligados à credibilidade dos candidatos, à coerência entre discurso e ações, à viabilidade das promessas feitas no calor da disputa e à capacidade que cada candidato possui de atender aos anseios de cada eleitor.

Se a colisão entre conteúdo e forma é capaz de tornar o equilíbrio instável em aulas ou conferências de média e longa duração, o que não dizer desse desafio para políticos que dispõem de pouquíssimo tempo para exercer seu poder de convencimento?

 

Referência

LLOSA, Mario Vargas. A civilização do espetáculo: uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura. Tradução de Ivone Benedetti. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.