O peso dos símbolos e das ações de um presidente

Helio Michelini Pellaes Neto*

Por força da iminente conclusão dos 100 dias de governo do presidente americano Joe Biden, as análises que despertam na mídia global parecem ecoar uma avaliação claramente positiva.

A promessa Biden já representava, desde a origem e frente o caráter inóspito que marca seu antecessor, um sopro de esperança para observadores oriundos de vários países, sempre atentos aos erros e acertos vivenciados na maior potência mundial e esperançosos de poder replicar, mais cedo ou mais tarde, de preferência não tão mais tarde, a sensação de bonança ilustrada naquela geografia.

Pois bem, há de se reconhecer que o valor simbólico de uma gestão que empresta alívio aos analistas, neste caso, fez-se efetivamente acompanhado de movimentos responsáveis, permitindo, aos mais esclarecidos, o atributo da competência, pelo menos neste primeiro corte temporal.

Entre os logros repetidamente atribuídos ao presidente Biden, podemos aqui replicar alguns, a saber: o êxito do plano de vacinação contra a pandemia; o resgate econômico pós-pandemia; a reversão de discurso ambiental obsoleto e indigesto; a retomada de uma liderança em favor da governança global.

De acordo com os dados divulgados pela Universidade Johns Hopkins[1], cerca de 32 milhões de infectados colocam os EUA em primeiro lugar na lista dos países mais impactados pela Covid-19, seguidos da Índia, que ultrapassou os 17 milhões, e o Brasil, atualmente acima dos 14 milhões.

A liderança é mantida também à luz dos óbitos contabilizados, com EUA à frente somando 573.316 mortes. Brasil e México superam a Índia neste dramático quesito, totalizando 391.936 mortos o segundo colocado, 215.113 o terceiro.

Os números consolidados certamente desfavoreceriam Joe Biden, não se apresentasse este, quando ainda candidato, em posição radicalmente crítica à orientação conferida ao tema pelo então presidente Trump. Caberá a Donald Trump, por muitos e longos anos, acolher com exclusividade os duros créditos do seu negacionismo e da lentidão no enfrentamento da pandemia.

No outro canto do ringue, Joe Biden pode confortavelmente celebrar o rápido avanço do programa de vacinação que implementa e que confere, segundo o portal digital Our World in Data –base de dados apoiada pela Universidade de Oxford[2]–, outro pódio aos EUA, qual seja o ranking de país com maior número de vacinados, somando mais de 200 milhões de doses administradas, enquanto a China, que iniciou antes a corrida, contabiliza cerca de 188 milhões de doses aplicadas. Índia vem em terceiro lugar, com 122 milhões de doses.

Verdade seja dita, parte das vacinas que Joe Biden aplica foram compradas durante o governo anterior, porém isto é detalhe que foge ao alcance da análise do grau de aprovação de um político, até mesmo nos EUA. Vale lembrar que no país desprovido de sistema de saúde público, as vacinas são gratuitas, e o programa de vacinação ganhou substancial energia com Biden à mesa.

Sinalizando respeito pela ciência e pelo simbolismo presente no cargo que ocupa, Joe Biden aguardou até a divulgação de informe emitido pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (C.D.C.) na terça-feira 27/04/2021 para somente então anunciar, com cautela, que americanos devidamente vacinados não precisariam mais usar máscaras em locais abertos e com pouca aglomeração[3].

À luz do espectro econômico, os números também favorecem a gestão Biden. Os dados mais recentes prometem aos americanos um 2021 bem melhor do que 2020, quando o advento da pandemia obstaculizou completamente diversos negócios e investimentos. Segundo dados do FMI[4], a taxa de crescimento do produto interno bruto saltou, de dolorosos -3,5% no ano passado, para estimulantes 6,4% atualmente.

Não bastasse o conforto do caos econômico que, podemos dizer, surpreendeu seu antecessor, a injeção de quase 2 trilhões de dólares em um pacote econômico que leva a assinatura de Joe Biden consolida uma liderança capaz de atrair investimentos sem aumento das taxas de juros, o que em muitos casos traduz controle da inflação e quiçá redução das desigualdades sociais. Novamente aqui, portanto, valor simbólico e movimento efetivo, combinados, reservam a Biden um bom lugar em diversos corações, americanos e não americanos.

Em terceiro lugar, o meio ambiente responde por parte da euforia causada pela elevação de Joe Biden ao comando da Casa Branca. A reversão de um posicionamento austero e comprometido, ora substituído por discurso contemporâneo e progressista, enobrece e tende a acelerar o ritmo dos avanços que o paradigma da sustentabilidade das gerações futuras exige.

Embora seja cedo para avaliarmos o trânsito entre imagem projetada e ação realizada no setor ambiental, o estímulo de Joe Biden, conquanto anfitrião da Cúpula do Clima em abril do corrente, revela a pretensão de transformar um compromisso em realidade, o que poderá culminar em significativa redução da emissão de gases poluentes, bem como em ampliação do investimento em energia limpa[5].

Finalmente, a política externa aprece como cenário em que reluz a experiente caneta do presidente Biden, amplamente testado, até mesmo antes de assumir a vice-presidência no governo Obama, mas quando ainda senador à frente de comitê responsável pelo tratamento de assuntos internacionais.

Conhecedor da real elasticidade permitida à diplomacia, Joe Biden demonstra saber onde pisa, e com qual intensidade. Aposta em rigor pragmático, livre de rupturas, no diálogo com a China, com quem há de buscar solução para entrave que seria mutuamente desfavorável, e mantém conjunto de sanções aplicadas por Trump ao Irã, de quem espera menos.

Molesta um pouco mais os russos, ao prestar dura homenagem a Vladimir Putin, chefe de Estado então descrito “assassino” pelo homólogo americano, assim como ataca os apoiadores de uma direita radical ancorada na gestão continuada de Recep Tayyip Erdoğan, manifestando franco, e frise-se, tardio, reconhecimento ao absurdo genocídio sofrido pela Armênia nos primórdios do século XX.

Agindo assim, portanto, driblando habilmente os tortuosos sendeiros diplomáticos, o presidente Joe Biden parece confirmar as competências necessárias para o exercício de uma liderança capaz de revigorar e fortalecer a noção de governança global, algo de que há bem pouco evitavam falar, timidamente, aqueles que frequentam os corredores das universidades e centros de estudos voltados para as relações internacionais.

Simbolismo e ação, imagem e manobra, portanto, convergem positivamente em favor de quem parece presidente e atua como presidente.

Concluo, em sincero alento, com o desejo de ter um presidente que pareça e atue como tal.

 

[1] Cf. https://coronavirus.jhu.edu/map.html, acesso em 27/04/2021.

[2] Cf. https://ourworldindata.org/grapher/cumulative-covid-vaccinations, acesso em 27/04/2021.

[3] Cf. https://www.nytimes.com/2021/04/27/health/cdc-new-mask-guidance.html, acesso em 27/04/2021.

[4] Cf. https://www.imf.org/en/Countries/USA#countrydata, acesso em 27/04/2021.

[5] Cf. https://www.whitehouse.gov/briefing-room/statements-releases/2021/03/26/president-biden-invites-40-world-leaders-to-leaders-summit-on-climate/, acesso em 27/04/2021.

 

 

 

 

 

* Helio Michelini Pellaes Neto é advogado, professor de Relações Internacionais da FAAP e colaborador da Fundação Espaço Democrático, para a qual este artigo foi elaborado.