O COVID-19 e o Novo Normal

Marcus Vinicius de Freitas[1]

No entanto, à medida que a crise se ia alastrando, os mercados começaram a sentir o impacto da ausência temporária da China no mercado global, com declínio no consumo de petróleo, turismo, produtos agrícolas etc. A situação foi deteriorando. Foi na Itália, no entanto, que o Coronavírus encontrou um terreno mais fértil para sua difusão, particularmente em razão da idade avançada de sua população e da desorganização estatal. De lá, o Coronavírus se espalhou rapidamente por todo mundo, particularmente no Hemisfério Norte. E todos eles apresentaram-se menos preparados para combater o vírus.

Com isso, cresceram as teorias conspiratórias. Estas tendem a satanizar determinados grupos. Assim o foi com judeus, quando antissemitas lhes imputaram a peste negra na Europa e a situação econômica na Alemanha antes da II Guerra Mundial, os templários na Idade Média, quando se lhes atribuiu uma devoção ao satanismo a fim de tomar-lhes as propriedades, e até mesmo os primeiros cristãos em Roma, quando acusados de incendiarem Roma. As teorias conspiratórias tendem a exorcizar um determinado grupo de pessoas para justificar condutas xenófobas, racistas e discriminatórias. Diariamente, aparecem as mais variadas teorias, tratando desde os hábitos alimentares chineses até uma suposta orquestração para comprarem as empresas globais e suas ações com preços mais baixos.

Por outro lado, também, na China, tem ocorrido questionamentos quanto aos primeiros casos de COVID-19 (Coronavirus Disease 2019 – “Doença Coronavírus 2019), alegadamente observados em alguns dos 34 milhões de casos de gripe e nas 20 mil mortes ocorridos nos Estados Unidos em 2019. Devido à realização do 7o. CISM Military World Games, realizado em 18-27 de outubro de 2019, em Wuhan, iniciaram-se especulações quanto a transmissão da doença por militares norte-americanos aos chineses de Wuhan.

Tudo não passa de especulação e somente o tempo poderá comprovar a verdade. Assim, é importante destacar três importantes aspectos no meio do oceano de desinformação propagada. O primeiro tem a ver com a suposta demora do governo chinês em divulgar os dados sobre o COVID-19. Governos demoram a identificar endemias e epidemias. Num país com 1.4 bilhão de pessoas, toda e qualquer situação precisa ser muito bem refletida para se evitar um pânico coletivo. É necessário tempo para solidificar o conhecimento da situação. O governo chinês tomou rapidamente as medidas necessárias para tratar do assunto, uma vez reconhecida a gravidade da situação. E o fizeram de maneira resoluta. Devo relembrar, por exemplo, que o governo do presidente Ronald Reagan demorou muito tempo para reconhecer o vírus HIV como uma situação grave, inclusive aumentando, em muito, a taxa de mortalidade resultante da enfermidade, inclusive reconhecida, de modo patológico, por alguns grupos religiosos, como uma punição divina à determinada conduta sexual.

Em segundo lugar, o COVID-19, que é um novo tipo de Coronavírus (reconhecidos há mais de 40 anos), é uma doença que surgiu no Norte Global. Quando as doenças surgem no Norte Global, a repercussão sempre é muito grande. O Norte ainda retém grande controle da narrativa global. Além disso, o próprio vírus tem sido utilizado, de modo ideológico, contra governos como Trump, Johnson e até mesmo Bolsonaro, ao alegar-se inépcia para lidar com a situação. No caso dos Estados Unidos, a questão eleitoral acirra ainda mais a cobrança e a crítica às medidas adotadas pela Administração Trump.

Ressalto, por exemplo, que no caso da crise do Ebola, na África Ocidental, a situação era, de fato, muito mais preocupante e letal. No entanto, como era uma doença do Sul Global, muito pouco foi feito como forma de impedir-se o alastramento da doença. Os países africanos, com muito êxito, no entanto, conseguiram resolver a situação com destreza, apesar do baixíssimo nível de apoio dos países desenvolvidos.

Em terceiro lugar, a realidade é que a China é uma potência totalmente industrializada, a fábrica global. O capitalismo norte-americano fomentou o capitalismo chinês. Enquanto Wall Street ganhava lucros enormes com o custo de mão-de-obra barata chinesa, todos estavam felizes com o resultado positivo dos lucros derivados das operações na China. Ao conseguir romper o ciclo do subdesenvolvimento, a China apresentou um modelo diferente do liberalismo para desenvolvimento econômico. Esta alternativa gera enorme dificuldade àqueles que se creem detentores da Verdade Revelada e de que há somente um caminho a ser perseguido. Num mundo de diversidade de opiniões, é incompreensível a possibilidade de aceitarem-se outras maneiras de alcançar desenvolvimento.

A realidade é que, apesar de todas as teorias conspiratórias, a China sairá fortalecida desta crise. O povo se tornou mais solidário e coletivo. Além disso, a comparação com a forma inefetiva e atabalhoada com que o Ocidente vem tratando a grave questão do Coronavírus demonstrará que a maneira como Beijing atuou foi a mais eficaz e acertada.

Não há dúvidas de que o novo normal será o de conflito constante entre Estados Unidos e China. É preciso ter sabedoria para compreender as narrativas e os objetivos perseguidos antes de se posicionar somente baseado numa perspectiva que obedece uma perspectiva ideológica.

Fica ai mais uma lição chinesa para o mundo.

[1] Marcus Vinicius de Freitas é professor visitante na China Foreign Affairs University.