Devagar e simples 

Reflexões de economia política 

Devagar e simples

“A busca pela simplicidade não significa dissolver indevidamente a complexidade do objeto; respeitada a complexidade, explicações simples têm sempre mais plausibilidade do que explicações complicadas.”

Pérsio Arida

No momento em que me preparava para escrever este artigo-resenha, dias após concluir a leitura do livro de André Lara Resende, lia o recém-lançado livro da autora do best-seller Comer, rezar, amar, Elizabeth Gilbert. Neste livro, cujo título é Grande Magia, no segundo capítulo, a autora focaliza um aspecto interessante referente à propriedade de uma ideia. Afirma ela:

É assim que certa manhã você abre o jornal e descobre que outra pessoa escreveu seu livro, dirigiu sua peça, lançou seu álbum, produziu seu filme, financiou seu negócio, abriu seu restaurante ou patenteou sua invenção – ou manifestou de alguma forma uma centelha de inspiração que você teve anos antes, mas nunca cultivou devidamente ou nunca conseguiu levar a cabo. Isso poderia irritá-lo, mas não deveria, pois você não fez a sua parte! Não estava pronto ou aberto o suficiente ou não agiu rápido o bastante para que a ideia se consolidasse em você e se concretizasse. Portanto, ela [a ideia] partiu em busca de um novo parceiro, e essa pessoa acabou por concretizá-la.

Por que estou me referindo a esse trecho do novo livro de Elizabeth Gilbert?

Porque foi exatamente esta a sensação que tive ao me defrontar com a resenha do livro de André Lara Resende escrita por George Vidor e publicada no jornal Valor Econômico na edição do dia 27 de outubro. Na referida resenha, aparecem várias das ideias que eu havia pensado em incluir na “minha” resenha. Para não configurar plágio, vou me referir a apenas duas delas. A primeira é que o livro vem muito bem recomendado, sendo apresentado por dois admiradores confessos, o ex-ministro Pedro Malan e Eduardo Giannetti, economista eleito “Personalidade Econômica do Ano de 2014” pelo Conselho Federal de Economia. A segunda diz respeito ao estilo do livro, uma vez que se trata de uma coletânea de artigos, um recurso que muitas vezes é atribuído àqueles que têm preguiça de escrever um novo livro ou não tem mais nada a acrescentar ao que já foi produzido, o que, definitivamente, não se aplica a Devagar e simples: economia, Estado e vida contemporânea, assim como aos livros anteriores de Lara Resende, Os limites do possível, de 2013, e Bolhas e pêndulos, de 1997.

Feitos esses registros, vamos ao livro.

Divide-se em três partes, a primeira com foco na economia e, mais especificamente, nas questões relacionadas ao crescimento econômico, a segunda em questões filosóficas e metodológicas, e a terceira em questões referentes ao direito, à política e à cidadania.

A primeira parte é intitulada As fortunas do crescimento. Nela, Lara Resende faz uma rigorosa análise da evolução do conceito de crescimento econômico e da diferença entre ele (que envolve fatores meramente quantitativos) e o de desenvolvimento (que, além dos fatores quantitativos envolve também os qualitativos). Como afirma o autor na introdução:

O crescimento econômico como imperativo, especialmente como condição necessária e suficiente para o bem-estar e o desenvolvimento, é outro tema que me parece exigir uma reflexão crítica. A política econômica continua pautada por uma obsessão pelo crescimento material. É avaliada por uma métrica anacrônica, diante da crescente desmaterialização da economia, que induz à criação de estímulos artificiais, cada vez mais agressivos, à demanda. O resultado é o endividamento, público e privado, excessivo e o risco de provocar crises financeiras recorrentes. Os limites físicos do planeta e os riscos ecológicos continuam a ser ignorados, ou relegados a notas de rodapé, tanto pela teoria quanto pela política econômica.

Nos quatro capítulos dessa primeira parte, Lara Resende refere-se a diversos autores que se debruçaram sobre o tema do crescimento econômico e àqueles a ele relacionados entre os quais Simon Kuznets, Larry Summers, Lant Pritchett, Janice B. Breuer, John McDermott, Ricardo Hausmann, Kenneth Rogoff, Carmen Reinhart, Dani Rodrik e Thomas Piketty. Aliás, merecem particular atenção os comentários de Lara Resende ao festejado livro de Thomas Piketty, O capital no século XXI. Embora considere “pouco imaginativa” a proposta de Piketty de mais tributos para reverter a nova tendência de concentração mundial da renda, Lara Resende faz extensos elogios à pesquisa do autor francês e reconhece a importância de seu livro para recolocar na agenda a sua principal preocupação:

A desigualdade, ainda que com todos acima da linha da pobreza, é detratora do bem-estar, da saúde e da qualidade de vida. Uma conclusão que não chega a ser nova: sempre se soube que a desigualdade excessiva é corrosiva, reduz a coesão social e inviabiliza a democracia. O tema andava relativamente esquecido depois do fracasso das experiências socialistas e com o otimismo provocado pelo rápido crescimento econômico mundial. A crise financeira de 2008 e a nova concentração da renda e da riqueza nos países avançados mudou o quadro.

A segunda parte, intitulada Das insatisfações difusas, também é constituída de quatro capítulos, ao longo dos quais Lara Resende volta a se referir a diversos nomes consagrados para examinar aspectos relacionados à metodologia pura e à metodologia aplicada à economia. São citados, entre outros, John Muth, Bertrand Russell, Kurt Gödel, Douglas Hofstadter, Daniel Kahneman, Amos Tveersky, Alan Turing, Max Newman, Leslie Valiant, Thomas Nagel, António Damásio, Gottfried W. Leibniz, René Descartes, Erich Fromm, Henri Bergson e Soren Kierkegaard. A simples menção desses nomes dá uma ideia da complexidade dos temas tratados nos capítulos da segunda parte do livro, em que um dos aspectos mais discutidos diz respeito aos limites da racionalidade e da exatidão por parte da teoria econômica: “[…] por que temos tanta dificuldade para tomar medidas concretas, mesmo diante da evidência lógica da possibilidade de um desastre ambiental. Apesar de sermos conscientemente racionais, somos mais irracionais do que imaginamos”.

Por fim, a terceira parte do livro, que se intitula Para repensar o Estado, é composta de cinco capítulos, ao longo dos quais Lara Resende passa mais uma vez por destacados nomes da economia, da filosofia e da política com destaque para Amartya Sen e sua teoria do desenvolvimento como liberdade, cidadania e espírito público, Hannah Arendt e Richard Sennett, na análise da moderna desvalorização da vida pública, e Max Weber e Raymundo Faoro, na abordagem, respectivamente, do patrimonialismo e do caráter patrimonialista do capitalismo brasileiro. Vale realçar também o capítulo sobre as manifestações populares de junho de 2013, com interessante discussão acerca do tamanho e do custo do estado no Brasil.

Por essas razões – e muitas outras impossíveis de serem cobertas num artigo-resenha como este – recomendo enfaticamente a leitura de Devagar e simples.

Recomendações e indicações bibliográficas

ARIDA, Pérsio. A história do pensamento econômico como teoria e retórica. Em REGO, José Marcio (org.). Retórica na economia. São Paulo, Editora 34, 1996, pp. 11-46.

GILBERT, Elizabeth. Grande Magia: Vida criativa sem medo. Tradução de Renata Telles. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

_______________ Comer, rezar, amar. Tradução de Fernanda Abreu. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Tradução de Monica Baumgarten de Bolle. São Paulo: Intrínseca, 2014.

RESENDE, André Lara. Devagar e simples: economia, Estado e vida contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

 _______________ Os limites do possível: a economia além da conjuntura. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2013.

_______________ Bolhas e pêndulos. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

Recomendações e indicações webgráficas

VIDOR, George. Uma visão crítica do crescimento elevado a grandeza absoluta. Valor Econômico, 27 de outubro de 2015. Disponível em http://www.valor.com.br/cultura/4287518/uma-visao-critica-do-crescimento-elevado-grandeza-absoluta.