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Por que o Brasil não tem — nem nunca

terá — um Vale do Silício? E o que

podemos fazer a partir disso? 

Renata Reps – 22 de junho de 2015

Vista parcial do vale do Silicio

Vista parcial do Vale do Silício, nos EUA. (imagem: reprodução internet).

Uma busca rápida no Google por “Vale do Silício brasileiro” traz resultados interessantes. Alguns itens despontam, tais como o Porto Digital, em Recife, um pólo de tecnologia da informação e empresas criativas de games e animação criado no ano 2000; e o Vale da Eletrônica, relatado pelo Draft, na pequena cidade de Santa Rita do Sapucaí (MG), que reúne uma série de companhias do ramo da eletrônica, ciência e tecnologia e cujos primeiros passos foram dados na década de 1980. Ambos são lugares incríveis e, fora outros centros ligados a universidades, como o Parque Tecnológico do Rio e o Tecnopuc, em Porto Alegre, despontam como os principais aglomerados de tecnologia do país.

Já o Vale do Silício original, que se estende por algumas cidades da Califórnia, começou sua trajetória nos 1940, quando professores de negócios da Universidade de Stanford – que fica na região – começaram a incentivar os alunos a criar suas próprias empresas. A pesquisa acadêmica em áreas como ciências, tecnologia, engenharia e matemática foi, aliás, um dos principais propulsores da ebulição em que se transformaria aquela área nas décadas seguintes. Somados a isso, investimentos de fundos de venture capital e do Departamento de Defesa dos Estados Unidos à pesquisa tecnológica militar finalizaram a formação do principal epicentro de inovação do planeta.

É claro que cada país tem sua trajetória, mas o desenvolvimento de uma única região que se torna mundialmente conhecia por seu potencial inovador é uma grande estratégia de sucesso. Empresas que mudaram o mundo nasceram no Vale do Silício, como HP, Google, Apple e eBay, e outras mudaram para lá para ganhar notoriedade, como o Facebook, cuja origem esteve na Universidade de Harvard em Massachusetts.

Foto Tom Fleming

“O Brasil precisa facilitar mais a vida do empreendedor”, diz Tom Fleming.

Voltando ao Brasil, o governo federal criou recentemente alguns programas de fomento ao empreendedorismo criativo, como o Startup Brasil e a Rede de Incubadoras Brasil Criativo. São projetos interessantes, mas ainda em fase incipiente de implantação e abrangência, com um número limitado de empreendedores contemplados. O que falta ao país, então, para gerar um ambiente tão favorável ao empreendedorismo criativo como é a Meca da tecnologia mundial?

As razões são muitas – e extensas – e por isso ouvimos três especialistas para montar um bom panorama do assunto. O primeiro é Tom Fleming, consultor em indústrias criativas para o Conselho Britânico, que já atuou em mais de 30 países – entre eles, o Brasil. Em seguida, Gaétan Tremblay, um dos maiores pesquisadores atuais da área, professor da Universidade do Québec em Montréal. Por fim, Luiz Alberto de Souza Aranha, vice-diretor da Faculdade de Economia da Fundação Álvares Penteado (FAAP), especialista em solução criativa de problemas. Eles se debruçaram no tema para explicar, bem didaticamente, por que o Brasil não é – nem nunca será – um Vale do Silício. As razões você vê em seguida.

NÃO SOMOS, NEM NUNCA SEREMOS, UM VALE DO SILÍCIO. POR QUÊ?

Nosso ambiente de negócios é desestimulante para o empreendedor. Daí você diz, grande novidade, né? Pois é, mas não tem como fugir disso. E também não precisa ir muito longe para ver exemplos de países em desenvolvimento que se saem bem melhor que o Brasil no quesito burocracia – Chile, Peru e Colômbia estão bem à frente no ranking de facilidade para começar um novo negócio, publicado anualmente pelo Banco Mundial. “O Brasil precisa facilitar mais a vida de seus empreendedores. As regulações são muito inflexíveis e impedem a agilidade dos negócios, além da burocracia ser endêmica”, diz Tom. O trabalho a ser feito é longo e existem muitos interesses em jogo. “O Ministério do Trabalho e a Secretaria da Micro e Pequena Empresa estão fazendo muito pelos pequenos e médios empresários, mas desburocratizar não é de interesse dos cartórios”, afirma Luiz Alberto. Enquanto isso, o criativo brasileiro padece.

foto alta 2

“A criatividade deve estar em todo tipo de formação”, diz Luiz Eduardo de Souza Aranha.

Nossas escolas ainda não formam empreendedores, mas empregados. Pense na sua formação, desde o ensino fundamental até a faculdade, e pondere: quantas disciplinas realmente encorajadoras de pensamentos, reflexões e comportamentos criativos você teve? Seus pais, menos ainda – e se eles te apoiaram na decisão dura de trocar a almejada estabilidade pela busca da realização profissional em águas trépidas e incertas do empreendedorismo, saiba que você (ainda) está entre os poucos sortudos. Contam-se nos dedos os cursos universitários que têm disciplinas criativas em sua grade curricular, mesmo em áreas aparentemente óbvias como engenharia ou tecnologia da informação. “A criatividade é a base da inovação, e deve ser uma disciplina transversal, inserida em todo tipo de formação”, afirma Luiz Alberto, que prossegue:

“Nossas escolas ainda formam pessoas para trabalhar para outras pessoas e ter bons empregos. Pouquíssimas incentivam o aluno a fazer diferente, a pensar por si mesmo. Basicamente, não aprendemos a empreender, e quem se lança neste caminho vai, na maior parte das vezes, sozinho” 

O empreendedor brasileiro ainda não aprendeu a importância da colaboração. A propriedade intelectual é um dos principais requisitos dos negócios criativos. É a partir dela que o autor protege a sua ideia e garante que ela lhe renderá lucros. “Porém, é preciso que o país tenha uma política equilibrada entre a proteção do direito de autor e a acessibilidade às produções culturais”, acredita Gaétan. Ambientes criativos se fortalecem quando formam clusters, e dali se emancipam para uma região, e mais adiante formam cidades criativas. “A cooperação é um conceito-chave, senão o que vemos são uma série de empresários criativos pontuais no lugar do surgimento de um ecossistema de comunidades criativas interdependentes”, destaca Tom. É isso que alguns pólos brasileiros, como os de Recife e Minas Gerais, oferecem. E é aí que reside a sua importância.

Nenhum outro lugar do mundo pode ser um Vale do Silício. Para resumir, é simples assim. O Vale do Silício nasceu de uma combinação de fatores absolutamente improvável de ser replicada em qualquer outro ambiente. O conjunto de medidas já citadas – grande investimento de fundos de capital de risco e da indústria de defesa americana, além de modernização massiva das universidades diretamente interessadas no desenvolvimento do vale – é exclusivo dali. O que o Brasil pode fazer é desenvolver um outro modelo, e nada impede que obtenha o mesmo sucesso. Tom aponta uma etapa central deste caminho: “O Brasil precisa trabalhar muito mais duro para desenvolver uma nação de empreendedores criativos que sejam pioneiros digitais, tenham sensibilidade para o design inovador e sejam comprometidos com a resolução de problemas”.

OK, MAS EM QUE MODELO PODEMOS NOS INSPIRAR PARA CHEGAR AO NÍVEL DOS MELHORES?

Em nenhum deles, e em todos eles. “Não há uma solução única e reproduzível em todos os contextos. É necessários se inspirar no que é feito lá fora, mas deve-se evitar a cópia de modelos estrangeiros”, alerta Gaétan. O Brasil não pode ser o Vale do Silício, mas pode ser outra coisa, em seus próprios termos e respeitando sua realidade social, econômica e especialmente cultural.

Gaétan-Tremblay-

“Não existe uma solução única e reproduzível”, diz Gaétan Tremblay.

E isso é algo difícil de se apontar quando se vive em outra realidade. “É preciso criar condições para que a criatividade floresça de forma a atingir mercados, contar com uma renovação natural dos melhores talentos e atrair investimentos que transformarão grandes ideias em grandes negócios”, diz Tom. Daí entra a necessidade de abertura das universidades à intervenção criativa e disruptiva que poucas já têm, e de mudar a forma como o incerto é encarado na sociedade atual. “Ainda há um grande desconhecimento do poder que pode ter a economia criativa, e falta conexão entre políticas municipais, estaduais e federais”, diz Luiz Alberto.

Dito isso, pode ser interessante:

1) Formar regiões especializadas. Foi assim que alguns países em desenvolvimento, como Taiwan e Coreia do Sul, conseguiram dar grandes passos: eles tornaram o pensamento criativo uma das principais bandeiras de seu desenvolvimento econômico, e esse objetivo foi promovido a prioridade política. Favorecer a formação de hubs — como por exemplo design e moda em São Paulo, games e TI em Recife, design de produtos em Belo Horizonte – é uma forma inteligente de partilhar expertise e incentivar a competitividade, isto é, a excelência de cada negócio;

2) Voltar o mercado para o consumo de serviços e produtos criativos. Ou seja, expandir o mercado interno de consumo de derivados da economia criativa. É necessário estimular a indústria local para a produção de tecnologia e bens criativos de ponta normalmente associados a outros países, pois é isso que vai atrair investimentos estrangeiros e a procura de multinacionais que desejem se internacionalizar no Brasil. Quanto mais Estado e iniciativa privada investem nesta área, mais nos tornamos atrativos aos olhos do restante do mundo.

3) Valorizar – mesmo — os empreendedores. Parece evidente, mas este é um desafio em um país onde a maior parte das pessoas enxergam grandes empresários de sucesso como potencialmente corruptos. Em geral, a sociedade não percebe o sucesso de indivíduos que chegaram longe na iniciativa privada como mérito, mas como possível resultado de sucessivas falcatruas. Mudar esta mentalidade leva tempo, investimento na educação e, provavelmente, a renovação de toda uma geração. Mas os efeitos podem afetar toda a economia do país. Para o bem.

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