Futebol e impulso ao desenvolvimento 

          O caso do Jacobina

“O futebol é a coisa mais importante dentre as menos importantes.”

     Arrigo Sacchi

No primeiro semestre deste ano fui consultado pelos colegas baianos do Conselho Federal de Economia, Nei Cardim e Paulo Dantas, sobre a possibilidade de ministrar uma palestra sobre o impulso ao desenvolvimento local e regional eventualmente proporcionado por um time de futebol. Buscando mais detalhes a respeito da referida consulta, fui informado que se tratava do caso específico de uma cidade do interior da Bahia, chamada Jacobina. O time da cidade conquistou o vice-campeonato baiano da segunda divisão em 2014, obtendo o acesso para o campeonato da primeira divisão em 2015. Tal fato provocou grande euforia na região, razão do interesse pela referida palestra.

Sendo fanático por futebol e vislumbrando um desafio interessante, topei a parada e passei a me preparar para a palestra, afinal realizada no dia 29 de agosto último.

Procurei, inicialmente, mostrar em minha exposição o papel relevante desempenhado pelo esporte de uma forma geral – e  pelo futebol em particular – para a projeção do Brasil no cenário internacional. Mencionei, nesse aspecto, a importância da conquista da Copa do Mundo de 1958, na Suécia, que contribuiu decisivamente para a superação daquilo que Nelson Rodrigues chamou de “complexo de vira lata”, um sentimento de inferioridade que havia sido reafirmado com a perda da Copa de 1950, para o Uruguai, num episódio que ficou registrado na história com o nome de Maracanazo.

Outras conquistas esportivas, nesse período, trouxeram sua parcela de colaboração: a conquista do bicampeonato mundial de basquete (1959 e 1963), as vitórias de Maria Esther Bueno no tênis, o título mundial de Eder Jofre no boxe e o próprio bicampeonato de futebol , em 1962, no Chile.

Também na arte, mais especificamente na música, o País viveu uma época de enorme projeção, graças ao sucesso da Bossa Nova e de seus principais representantes, entre os quais João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Morais.

 Nas  décadas seguintes, a afirmação do Brasil por meio do esporte prosseguiu com a conquista do tricampeonato no México em 1970, com os sucessivos títulos de Émerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna na Fórmula 1, e, mais recentemente, com a supremacia adquirida por mais de uma geração de jogadores e jogadoras de vôlei, além do brilhantismo de um simpático “manezinho” originário de Florianópolis, Gustavo Kuerten, cujo carisma ajudou a ampliar consideravelmente a legião de fãs do Brasil.

Prosseguindo, enumerei exemplos de uma série de times de futebol ou de outras modalidades, cujo sucesso contribuiu sobremaneira para a projeção do nome de suas respectivas cidades ou regiões. Nesse particular, mencionei os casos do Utah Jazz, que por muitos anos permite a divulgação de Salt Lake City, assim como do Boston Celtics, na  NBA, a poderosa liga de basquete americano. Lembrei também do Dallas Cowboys, time de futebol americano consagrado e reconhecido nos Estados Unidos.

Passando ao cenário nacional, citei o caso de Franca, a capital brasileira do basquete, graças às vitórias do time da cidade – que já teve diversos nomes diferentes – em competições de grande repercussão. Quem já teve a chance de ir a Franca (também conhecida pela produção de calçados), deve ter percebido uma característica ímpar: ao contrário do que se verifica em quase todas as cidades brasileiras, em que a garotada corre atrás de uma bola de futebol, em Franca os garotos andam pela cidade com uma bola de basquete debaixo do braço, tendo oportunidade de praticar nos ginásios ou nas quadras existentes nos parques da cidade.

Chegando, finalmente, ao futebol, comecei pelo caso do Santos Futebol Clube. Qual não foi a importância do time para a projeção do nome da cidade? Quantas pessoas não conheceram a cidade, acompanhando seus times como torcedores quando iam jogar no “Alçapão da Vila”, ou mesmo para ter o privilégio de ver de perto figuras como Pelé e, nos últimos anos, Neymar?

Outro exemplo interessante e talvez mais próximo do que pode eventualmente vir a ocorrer em Jacobina, é o do Chapecoense. A conquista do título catarinense e o acesso a Série A do Campeonato Brasileiro tem dado uma visibilidade à cidade de Chapecó jamais imaginada anteriormente.

Disputando a primeira divisão do Campeonato Baiano em 2015, Jacobina poderá atrair levas de torcedores de outros clubes do estado, em especial dos dois grandes times da capital, Bahia e Vitória.

Compete agora ao time, às autoridades e, em última instância, aos próprios cidadãos de Jacobina criar atrativos para que torcedores de outras localidades se sintam estimulados a acompanhar seus times quando forem jogar na cidade. Pensando grande, o desafio consiste em fazer com que esses torcedores não se limitem a acompanhar seus times, assistirem o jogo e irem embora logo em seguida. Em vez disso, o esforço deve ser feito no sentido de atrair a família desses torcedores (ou de parte deles) para passar o fim de semana em Jacobina, aproveitando a viagem para desfrutar das belezas naturais da cidade, experimentando a culinária regional e muitas outras coisas que ninguém conhece melhor do que os próprios jacobinenses.

Basta, de uma lado, acionar a imaginação e a criatividade e, de outro, pressionar as autoridades estaduais e federais para fazerem a sua parte, melhorando as condições das estradas, concluindo as obras do aeroporto local e outras ações dessa natureza, indispensáveis para o bem-estar de quem se dispuser a visitar a cidade. Todas essas ações poderão resultar na ampliação do número de visitantes e, consequentemente, de receita para Jacobina e região.

Ao concluir minha exposição, o colega Edisio Freire, conselheiro do Corecon-BA, fez uma intervenção bastante apropriada para explicar a importância da circulação de dinheiro numa economia. Com ela encerro este artigo:

“Numa cidade pequena, um forasteiro chega a um dos hotéis ali existentes e pergunta o valor da diária. Ao receber a resposta, diz estar de acordo e se propõe a pagar antecipadamente, deixando R$ 100,00 como caução, solicitando apenas antes conhecer as instalações do hotel. O proprietário o acompanha e, tão logo sobem a escada, o recepcionista vai correndo até a padaria ao lado e dá os R$ 100,00 para saldar a dívida do hotel. O proprietário da padaria, por sua vez, corre até o fornecedor de refrigerantes e entrega os R$ 100,00 que estava devendo e cujo prazo de vencimento estava para estourar. O proprietário da distribuidora de refrigerantes, tão logo se vê de posse dos R$ 100,00, vai até o eletricista e liquida a dívida que havia contraído com ele. O eletricista, em seguida, procura a prostituta da cidade e lhe entrega os R$ 100,00 por serviços que ela havia prestado “em confiança”. A prostituta, então, corre até o hotel, que ela havia utilizado para prestar seus serviços, prometendo pagar uns dias depois e entrega os R$ 100,00 saldando sua dívida. Logo que ela sai, o forasteiro conclui sua vista das instalações, diz ao proprietário do hotel que não gostou das mesmas, pede o dinheiro de volta e vai procurar outro hotel para se hospedar”.

Ou seja, uma transação não consumada permitiu a realização de diversas outras transações, aquecendo a economia do local.

 É o que pode acontecer a Jacobina, graças ao futebol.