Crise, criatividade e recomeço

 

Leitura criativa

 

“Começar de novo e contar comigo
Vai valer a pena ter amanhecido
Ter me rebelado, ter me debatido
Ter me machucado, ter sobrevivido
Ter virado a mesa, ter me conhecido
Ter virado o barco, ter me socorrido”

Ivan Lins

O semestre está acabando, as férias de julho estão chegando e, com ela, a expectativa de maior disponibilidade de tempo para dedicar à leitura. Tenho certeza de que isso não acontece só comigo, uma vez que em conversas com outros professores já ouvi de vários deles que vivem a mesma expectativa à aproximação de cada novo recesso escolar.

Movido por essa expectativa, resolvi, em meu último artigo do semestre, comentar um livro que tive oportunidade de ler recentemente e que me impressionou de forma bastante positiva. Seu título, O grande recomeço.

De autoria de um dos gurus da Economia Criativa, o urbanista Richard Florida, foi publicado em 2010 e focaliza um tema que permanece ocupando espaço considerável na mídia, a crise internacional.

Ou seria mais correto utilizar a expressão no plural, crises econômicas internacionais?

Afinal, encontramos artigos e análises sobre a fragilidade da economia europeia, sobre a lentidão da economia norte-americana, sobre a estagnação da economia japonesa e, mais recentemente, até sobre a desaceleração da economia chinesa.

Tratam-se de crises isoladas ou fazem parte de uma mesma crise, com acentuado grau de inter-relação e interdependência?

Embora esteja seguro de que não haja consenso a esse respeito, eu me alinho entre aqueles que acreditam tratar-se de uma crise só, com repercussões e impactos variados. Em alguns lugares o impacto se faz sentir de forma mais acentuada, em outros menos. Da mesma forma, os momentos em que esse impacto é sentido não é o mesmo nos diferentes países. Minha posição sustenta-se na gravidade da crise que estamos vivendo, que teve origem no setor hipotecário da economia mais forte do mundo, a dos Estados Unidos, espalhando-se posteriormente para os outros setores e para as outras partes do mundo, graças às fortes interdependência e inter-relação que caracterizam a economia globalizada.

De dimensão parecida à crise atual, muitos analistas apontam a Grande Depressão, iniciada com o crash da Bolsa de Nova York em 1929 e que se estendeu por toda a década de 1930 e praticamente emendando com a Segunda Guerra.

Alguns analistas fazem comparação também com a crise de 1870, cujos efeitos se fizeram sentir também por uma década ou mais.

Em ambos os casos, o que se viu depois da recuperação foi algo diferente do que existia antes, confirmando, em certo aspecto, a teoria da destruição criativa de Joseph Schumpeter.

É exatamente sobre isso que reflete Richard Florida em O grande recomeço, que tem o ilustrativo subtítulo As mudanças no estilo de vida e de trabalho que podem levar à prosperidade pós crise.

O trecho a seguir, que respalda minha posição supramencionada, constitui-se numa boa síntese das ideias de Richard Florida.

Os altos a baixos econômicos pelos quais
passaram meus pais fazem parte do ciclo de
vida de qualquer sociedade. Podem ser difíceis,
às vezes terrivelmente dolorosos, mas, assim
como as árvores deixam cair folhas no outono,
para que se abra espaço para o novo crescimento
da primavera, as economias dão um reset, zeram
tudo e recomeçam. Os tempos de crise revelam o
que está e o que não está funcionando. São esses
os tempos em que práticas e sistemas obsoletos e
disfuncionais colapsam ou vão sendo deixados para
trás. São tempos em que as sementes da inovação
e da invenção, da criatividade e do empreendedorismo
se abrem e irrompem como flores, permitindo a
recuperação à medida que a economia e a sociedade
são reconstruídas. Os grandes períodos de
transformação econômica, como a Grande Depressão,
ou, antes dela, a Longa Depressão da década de 1870,
desenrolaram-se lenta e longamente, mais parecidos
com um filme do que com uma fotografia. Da mesma
forma, o caminho da recuperação pode ser longo e
tortuoso – e levam quase três décadas no caso de
cada uma daquelas duas crises. Vistas no contexto
maior da história, as crises econômicas inevitavelmente
dão origem a períodos críticos em que uma economia é
refeita para que possa recuperar-se e recomeçar a crescer.
Esses são os períodos que chamo de “Grandes Recomeços”.

Bela reflexão não é mesmo?

A leitura dessas palavras me remeteu a duas músicas que embalaram parte da minha vida. Uma delas, de Ivan Lins, chama-se Começar de novo e teve um trecho reproduzido na epígrafe deste artigo.  A outra, tão linda quanto, é de um gênio precocemente desaparecido, Gonzaguinha, e chama-se Começaria tudo outra vez.

Deixo como sugestão ao Luciano para um dos próximos programas Café Brasil.