Criatividade IV

Estratégia para implementação da criatividade

 

“O único lugar no mundo onde o sucesso

vem antes do trabalho é no dicionário”.

Vidal Sasson

 

Algumas vezes na condição de consultor – e muitas outras como observador – tive oportunidade de ver empresas bem intencionadas desperdiçarem volumes consideráveis de recursos por não adotarem determinadas providências na tentativa de implementarem programas de criatividade.

Um dos problemas mais comuns nesse sentido diz respeito à não observância da seqüência mais recomendada para tais situações, que pode ser resumida em:

1º – Estabelecer um senso de propósito e de urgência;

2º – Criar um ambiente seguro; e, por fim,

3º – Convidar as pessoas a fazerem algo diferente.

Sobre o segundo passo, já me referi nestas mesmas Iscas Intelectuais, num artigo intitulado O ambiente da criatividade, baseado, em boa parte, no livro A empresa sorriso, de Floriano Serra.

Sendo assim, no artigo de hoje, vou me ocupar apenas dos passos 1 e 3, chamando a atenção, desde já, para o fato de que neste caso específico, a ordem dos fatores altera – e como – o produto.

Dito isso, passemos ao primeiro passo, “estabelecer um senso de propósito e urgência”. Tratam-se, na verdade, de duas coisas. A primeira consiste em conscientizar a pessoa sobre a importância da criatividade para si mesma e para os objetivos mais amplos da empresa ou organização a que ela pertence. Como criatividade não é dom, magia, mistério ou loucura, mas algo que precisa ser aprendido e desenvolvido, essa conscientização pode passar por um processo mais ou menos duradouro, envolvendo inclusive a participação em cursos, seminários, workshops etc.

Uma vez a pessoa estando consciente da importância da criatividade, a etapa seguinte consiste em definir prazos para a realização de tarefas, o que pode parecer estranho à primeira vista, uma vez que esse fator é apontado freqüentemente como causador de bloqueios ao desenvolvimento da criatividade. Sem querer negar essa possibilidade, o fato é que vivemos num mundo onde as pessoas, as empresas e as organizações têm que respeitar prazos o tempo todo, gostem ou não. Portanto, saber administrar o tempo, impedindo que o mesmo se transforme em fator bloqueador é fundamental para desenvolver a criatividade.

Um ótimo exemplo disso pode ser encontrado o excelente livro Cirque du Soleil: a reinvenção do espetáculo, como se observa no trecho que se segue:

– Ah, temos prazos e orçamentos, sim, e como! Sem eles, creio que não teríamos nem metade da nossa criatividade. São eles que nos obrigam a criar soluções que do contrário jamais nos ocorreriam. É incrível a capacidade de motivação que os limites de tempo, dinheiro e recursos podem ter. Algumas das nossas idéias mais inspiradas surgiram das mais espartanas situações.

Noutro trecho, mais adiante, a questão da pressão exercida pelo fator tempo, volta a ser abordada no seguinte diálogo:

– E como vocês transformam essas idéias aleatórias num número?

– Com prazos! Claro que eles sempre são apertados, mas, sem eles, a mente perde o foco. O prazo, por outro lado, faz com que a mente, em pânico, comece a produzir idéias malucas que nunca viriam à tona de outro modo. Se você tem dois dias para criar uma transição de um número de trapézio para o trampolim, você vai pensar em algo!

– A maioria das pessoas detesta prazos. Nunca parei para pensar que uma limitação pudesse ser algo positivo.

De fato, vivemos num mundo caracterizado por intensa e acirrada competição, em que, gostemos ou não, as coisas têm prazo para ser feitas. Portanto, mais do que ficar lamentando, é fundamental que cada um de nós aprenda a conviver com isso, administrando o tempo de forma adequada e sabendo controlar o stress decorrente da pressão exercida pela exigüidade de tempo, companheira cada vez mais freqüente do nosso cotidiano.

Conscientizadas as pessoas e definidos os prazos, chegamos ao segundo passo da estratégia para implementação da criatividade: “criar um ambiente seguro”.

Fazer algo criativo significa quase sempre fazer algo diferente, fora dos padrões. Ora, como todos nós sabemos, o ser humano resiste a tudo aquilo que é estranho ou desconhecido, razão pela qual comportamentos, processos ou produtos com essas características costumam provocar elevado grau de resistência para serem aceitos. Sendo assim, dificilmente será possível esperar de qualquer pessoa uma atitude criativa se ela não sentir que está num ambiente seguro e que eventuais problemas decorrentes de uma ação diferente serão aceitos como algo normal numa situação dessa natureza. Como já mencionei no artigo específico sobre o ambiente da criatividade, diversas empresas desperdiçaram volumes consideráveis de recursos contratando consultores especializados para implementar programas de desenvolvimento da criatividade de seus quadros de colaboradores, sem, porém, promoverem alterações nos ambientes físico e organizacional. Dessa forma, por não perceberem coerência entre o discurso da alta direção e o clima prevalecente na empresa, seus colaboradores não sentiam a confiança necessária para se arriscarem a fazer coisas diferentemente do que sempre haviam feito.

Conscientizadas da importância da criatividade, tendo um prazo a cumprir e, além disso, sentindo-se seguras, as pessoas estarão preparadas para o terceiro passo estratégico: “serem convidadas a fazer algo diferente”.

Não pensem que é fácil. Para fazer algo diferentemente do que sempre fizeram, as pessoas têm, necessariamente, que assumir riscos, saindo da zona de conforto que cada um de nós busca incessante e inconscientemente, já que essa é uma atitude natural do ser humano, para a qual contribui o próprio condicionamento do nosso cérebro, neste caso fortemente influenciado pela ação do sistema reptiliano, responsável pelo funcionamento das funções relacionadas à sobrevivência, como a respiração e o batimento cardíaco, por exemplo, e pelo acionamento dos nossos instintos e das nossas defesas. O sistema reptiliano é bastante poderoso e, em razão disso, nosso cérebro é, de certa forma, programado para a rotina e a mesmice, e não para a diferença e a criatividade.

O poema que se segue, cuja autoria desconheço, é magistral para descrever essa dificuldade que cada um de nós, enquanto seres humanos, temos para assumir riscos.

“Rir é arriscar-se a parecer louco.

Chorar é arriscar-se a parecer sentimental.

Estender a mão para o outro é arriscar-se

a se envolver.

Expor seus sentimentos é arriscar-se

a não ser amado.

Expor suas idéias e sonhos ao público é

arriscar-se a perder.

Viver é arriscar-se a morrer.

Ter esperança é arriscar-se a sofrer decepção.

Tentar é arriscar-se a falhar.

Mas é preciso correr riscos.

Porque o maior azar da vida é não arriscar nada.

Pessoas que não arriscam, que nada fazem,

nada são.

Elas podem estar evitando o sofrimento

e a tristeza.

Mas assim não podem aprender, sentir, crescer,

mudar, amar, viver.

Acorrentadas às suas atitudes, são escravas.

Elas abriram mão de sua liberdade.

Só a pessoa que se arrisca é livre.

Arriscar-se é perder o pé por algum tempo.

Não se arriscar é perder a vida.”

Realmente, desenvolver a criatividade, sair conscientemente da rotina e fazer as coisas sistematicamente de forma diferente não é nada fácil. Para tanto, é bem provável que seja necessário rever alguns conceitos e, seguramente, preparar novamente uma série de coisas que qualquer pessoa já havia preparado e vinha utilizando há um bom tempo.  Como vão experimentar coisas novas, é natural que venham a se defrontar com eventuais surpresas. E não pense que isso é mole. Afinal, é sempre mais fácil fazer como sempre fizemos.

Porém, amigo internauta, pode apostar, vale a pena tentar, pois o resultado costuma ser super gratificante.