Economia e educação II

 

Investimento de elevado retorno

 

 

“O mais valioso de todos os capitais é

aquele investido em seres humanos.”

Alfred Marshall

 

Tive o privilégio de participar, em novembro último, da reunião anual do Conselho da Harris School, a escola de políticas públicas da Universidade de Chicago, aquela que reúne a maior quantidade de economistas agraciados com o Prêmio Nobel. A reunião deste ano foi realizada, excepcionalmente, no Rio de Janeiro, entre outras razões, pelo fato de que a Harris School está procurando obter patrocínio para a criação da Cadeira Sergio Vieira de Mello de Estudos da Paz.

Embora pertencente à prestigiosa Universidade de Chicago, conhecida em todo o mundo pela intransigente defesa dos princípios do liberalismo econômico, a Harris School tem uma característica toda especial, uma vez que o foco central de suas pesquisas e de seus cursos recai sobre questões relacionadas a questões sociais, tais como distribuição de renda, saúde, emprego, previdência, pobreza e educação. Interessante artigo a esse respeito foi escrito pelo Prof. Roberto Macedo (que também participou da reunião) para sua coluna no jornal O Estado de S. Paulo com o sugestivo título de A outra Escola de Chicago.

Na programação da reunião, o maior destaque foi o Prof. James Heckman, Prêmio Nobel de Economia de 1990, que deu uma brilhante aula sobre o retorno econômico da educação. Com enorme clareza e valendo-se de dados de diversos países, o Prof. Heckman mostrou que o retorno econômico propiciado pelo investimento em educação, embora difícil de ser mensurado, é provavelmente mais elevado do que qualquer outro tipo de investimento, apesar das diferenças decorrentes do grau de desenvolvimento do país em que esse investimento é realizado. Nos países não desenvolvidos em especial, essa forma de investimento representa talvez a única forma de recuperar – total ou parcialmente – o atraso em que se encontram na comparação com os padrões de vida observados nos países desenvolvidos. O argumento mais enfatizado pelo Prof. Heckman foi sobre a superioridade relativa do investimento em educação básica. Num gráfico bastante ilustrativo (que infelizmente não pode ser reproduzido nesta coluna), Heckman mostra que o retorno do investimento no ensino básico é maior do que o investimento feito no ensino médio, que, por sua vez, é superior ao investimento feito no ensino superior ou nos programas de pós-graduação ou de treinamento empresarial, embora estes tenham, na maior parte das vezes, objetivos diferenciados.

Na mesma semana, em seu artigo quinzenal na seção Ponto de Vista da revista Veja, Claudio de Moura Castro também abordou o tema da educação, aliás, com a elegância de estilo que lhe é peculiar. Nesse artigo, Moura Castro recoloca a polêmica questão do pagamento do ensino público superior, um tema que provoca calafrios em parcela considerável dos brasileiros que se autodenominam progressistas. Cada vez que a discussão desse tema volta a ser proposto, seus proponentes são acusados de elitistas, reacionários e outros rótulos desse gênero.

O interessante é que muitos dos que proclamam aos quatro ventos bordões do tipo “ensino público e gratuito em todos os níveis” não se dão conta (ou fingem não se dar) de que estão na verdade defendendo a manutenção de um sistema que é, isso sim, extremamente favorável às camadas mais privilegiadas da população. A explicação dada por Moura Castro no referido artigo é tão clara quanto sucinta, de tal forma que não há nada melhor do que reproduzi-la:

“Dados disponíveis mostram que desde os tempos de Marx os ricos continuam predominando na universidade pública. No Brasil, segundo o Ministério da Fazenda, os 20% mais ricos da população capturam 74% das vagas. Ou seja, os impostos pagos por todos financiam a educação dos mais ricos (custando, por aluno, dez vezes mais do que a educação básica). É a chamada regressividade dos gastos públicos.”

Tal tipo de distorção tem como corolário o fato, suficientemente demonstrado por estatísticas confiáveis, de que os diplomados do ensino superior ganham três vezes mais do que aqueles que têm apenas um diploma de nível médio. Completa-se, assim, um circuito de distorções: no Brasil, o investimento por aluno universitário é relativamente muito maior do que o investimento no aluno do ensino básico, contrariando os argumentos do Prof. Heckman e de diversos outros respeitados especialistas; se não bastasse, boa parte desse investimento vai para os mais ricos, num perverso caso de subsídio às avessas.

Esse aspecto, aliás, vem sendo há muito tempo apontado pelo Prof. Eduardo Giannetti da Fonseca, juntamente com o crescimento populacional e a concentração de renda, como um dos grandes obstáculos à formação do capital humano em nosso país, como se vê no trecho a seguir, de um artigo de 1993:

“Os gastos sociais do governo acabam sendo capturados pelas famílias de renda média e alta em detrimento dos grupos de renda que mais precisavam deles. Um estudo do Banco Mundial mostra que o jovem brasileiro de família rica recebe, em média, 4 vezes mais subsídios do governo para financiar a sua educação do que um jovem de família pobre.”

O tema investimento em educação, além de importantíssimo, é muito abrangente e não pode ser examinado em todas as suas facetas num artigo dessa natureza. Por essa razão, é certo que será objeto de outras análises nesta mesma coluna.

Para aqueles que tiverem interesse mais imediato, recomendo a leitura de alguns autores que têm se notabilizado pelo estudo sistemático deste e de outros aspectos da relação entre economia e educação, tais como os laureados estrangeiros Theodore W. Schultz (que recebeu o Prêmio Nobel de Economia exatamente por suas contribuições na pesquisa sobre economia da educação) e Gary Becker, ou os não menos brilhantes brasileiros Claudio de Moura Castro, Eduardo Giannetti da Fonseca, Marcelo Neri, Maria Helena Guimarães de Castro e Ricardo Paes de Barros.

Referências e indicações bibliográficas

CASTRO, Claudio de Moura. Crônicas de uma educação vacilante. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

______________ Os chineses leram Marx. Veja, edição 1.932, ano 38, nº 47, 23 de novembro de 2005, p. 22.

CASTRO, Maria Helena Guimarães de. A educação no Brasil: o desafio da qualidade e da eqüidade. Texto preparado para o II Fórum Permanente de Diálogo Argentino-Brasileiro, realizado em Buenos Aires, em 11 e 12 de outubro de 2005. Mimeo.

FERREIRA, Francisco H. G., VELEZ, Carlos Eduardo e BARROS, Ricardo Paes de. Inequality and economic development in Brazil. New York, NY: World Bank, 2005.

GIANNETTI DA FONSECA, Eduardo. Liberalismo X Pobreza. São Paulo: Inconfidentes, 1989.

______________ O ciclo da pobreza e da incompetência. Folha de S. Paulo, 19/12/93. Reproduzido em As partes & o todo. São Paulo: Siciliano, 1995, pp. 71 – 73.

______________ Mitos e desafios da política educacional. Folha de S. Paulo, 11/9/94. Reproduzido em As partes & o todo. São Paulo: Siciliano, 1995, pp. 89 – 91.

SCHULTZ, Theodore W. O valor econômico da educação. Tradução de P. S. Werneck. Revisão técnica de Calógeras A. Pajuaba. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.

______________ O capital humano: investimentos em educação e pesquisa. Tradução de Marco Aurélio de Moura Matos. Revisão técnica de Ricardo Tolipan. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.

______________ Investindo no povo: o segredo econômico da qualidade da população. Tradução de Elcio Gomes de Cerqueira. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.

URANI, André, GIAMBIAGI, Fabio e REIS, José Guilherme. Reformas no Brasil: balanço e agenda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.

Referências e indicações webgráficas

MACEDO, Roberto. Harris, uma outra escola de Chicago. O Estado de S. Paulo, 28/07/2005, p. 2. Disponível em http://www2.estado.com.br/ep/ep.asp?name_final=Estado_20050728_A-1%BA%20Caderno_A02- ou em http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe.asp?ID_RESENHA=152389.