Economia informal

 

Facetas da informalidade

 

“A economia informal é seguramente

um dos grandes temas deste fim de século”.

Maria Cristina Cacciamalli

(“Brasil Subterrâneo”,

Revista Veja, 12.07.89)

 

 

Num espaço de três semanas tive a oportunidade de comparecer a eventos distintos nos quais três personalidades de alto gabarito trataram de um mesmo tema, o da informalidade. Não deu outra, acabei decidindo tratar dele no meu artigo desta semana.

O tema é controvertido e vem sendo objeto de análise há muitos anos e em diversas partes do mundo. Embora a esmagadora maioria das pessoas refira-se à informalidade de maneira bastante crítica, há alguns autores que a vêem como uma reação natural e até certo ponto positiva às enormes barreiras de ordem legal que dificultam a formalização dos negócios, quase que empurrando para a informalidade tanto pessoas físicas como pessoas jurídicas. Entre os que se alinham nessa posição simpática à informalidade encontram-se o peruano Hernando de Soto, que se tornou mundialmente conhecido graças ao sucesso de seu livro El Otro Sendero (traduzido para o português com o título de Economia Subterrânea, Rio de Janeiro: Globo, 1986), onde afirma que “a economia informal é uma resposta popular espontânea e criativa ante a incapacidade estatal de satisfazer as aspirações mais elementares dos pobres”, e o jurista brasileiro Ney Prado, presidente da Academia Internacional de Direito e Economia.

A economia informal – também chamada de subterrânea, paralela, invisível, oculta, clandestina, não oficial, negra, submersa a até de criptoeconomia – é um assunto que provoca calorosas discussões, principalmente quando se tenta defini-la ou quando se pretende estimar qual é o seu real tamanho. Aliás, as duas coisas estão intimamente relacionadas. Ney Prado, após considerar definições de inúmeros especialistas no assunto, conceitua economia informal como “o conjunto de atividades econômicas que o estado de necessidade social ou a busca de lucros ilícitos leva a que sejam realizadas informalmente, de modo que não são detectadas, nem medidas, nem consideradas nas contas nacionais”. Ora, se a economia informal é constituída do conjunto de atividades não suscetível de mensuração, como se pode saber qual a sua efetiva participação na economia total de um país? Ou, em outras palavras, como visualizar o invisível?

Polêmicas à parte, quais os três importantes personagens que me levaram a abordar esse assunto cativante no artigo de hoje? Foram eles, José Alexandre Scheinkman, o economista laureado com o Prêmio de Economista do Ano de 2005, que tratou desse assunto por ocasião da cerimônia em que recebeu o referido laurel, no dia 11 de agosto; Emerson Kapaz, presidente do ETCO – Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, que abordou o tema na palestra por ele proferida na Semana da Economia da FAAP, dia 23 de agosto; e, por fim, o Prof. José Pastore, num café da manhã promovido pela Ordem dos Economistas, dia 5 de setembro.

José Alexandre Scheinkman, que foi durante vários anos chefe do Departamento de Economia da Universidade de Chicago, a que reúne o maior número de economistas agraciados com o Prêmio Nobel, deu ênfase, em seu pronunciamento, ao aspecto econômico e, mais especificamente, da eficiência econômica. Tomando por base um estudo realizado pela empresa de consultoria Mc Kinsey, Scheinkman alertou para o fato de que “a produtividade de formatos informais no Brasil é, em certos casos, a metade, ou mesmo um quarto, da produtividade dos formatos formais”. Trata-se, sem dúvida, de um dado extremamente preocupante, considerando-se, segundo ele, que “o Brasil tem 40% mais informalidade do que deveria ter, mesmo levando em conta seu nível de riqueza e desenvolvimento”. A exemplo de outros estudiosos do tema, Scheinkman também destacou ser o problema da informalidade “um fenômeno latino-americano, pois com exceção do Chile – e ele sempre é uma exceção – todos os países da América Latina tem mais informalidade que outros em mesmos níveis de desenvolvimento”.

Emerson Kapaz, por sua vez, abordou a questão da informalidade muito mais pelos aspectos morais e éticos e, por extensão, policiais e criminais. Numa palestra que despertou enorme interesse e que foi super bem avaliada pelos alunos presentes, Kapaz realçou o impacto negativo da informalidade para o desenvolvimento dos negócios no Brasil, uma vez que a concorrência torna-se francamente desleal, em prejuízo daqueles que cumprem normalmente com suas obrigações trabalhistas, fiscais e tributárias. Que o digam os proprietários de lojas da região da Rua 25 de Março, que durante anos conviveram com os camelôs nas calçadas às portas de suas lojas e com os contrabandistas estabelecidos em suas redondezas. Aliás, especial atenção foi dada por Kapaz ao problema do contrabando, que em alguns segmentos chega a níveis alarmantes em nosso país e que normalmente está associado a contravenções mais graves, como tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

O Prof. José Pastore, por fim, abordou o tema sob a ótica das relações trabalhistas e, principalmente, sob o ponto de vista humanitário. Quanto á primeira, apresentou inicialmente uma radiografia da situação atual do trabalho no Brasil: de 79,3 milhões de pessoas que trabalham, apenas 31,8 milhões estão na formalidade, o que significa que 47,5 milhões encontram-se na informalidade, distribuídos em:

  • 19,2 milhões de empregados;
  • 17,2 milhões de trabalhadores “por conta própria”;
  • 5,7 milhões “sem remuneração”;
  • 4,3 milhões de empregadas domésticas; e
  • 1,1 milhão de empregadores.

Todos eles possuem uma característica comum: não têm direito à proteção. E aí entra em cena o segundo aspecto, o humanitário. Como afirmou o Prof. Pastore, “é o mundo da desproteção total: essas pessoas não têm direito à licença remunerada, não têm direito à aposentadoria e não têm direito à pensão, o que significa que estão impossibilitadas de garantir um mínimo de bem-estar aos seus descendentes. Em suma, um País com pouco trabalho, um trabalho de má qualidade e em conseqüência, uma enorme quantidade de conflitos trabalhistas”.

Como resultado dessa situação, ainda de acordo com o Prof. Pastore, um despropósito e um paradoxo. “O despropósito é a infinidade de ações trabalhistas que atravancam a Justiça do Trabalho onde há um custo médio de R$ 1.300,00 para julgar uma causa de R$ 1.000,00. O paradoxo é a constatação de que empregos informais acabam gerando ações trabalhistas formais”.

A somatória desses exemplos é apenas uma pequena amostra da urgente necessidade de reformas (das quais a primeira deve ser a política, como bem observou o amigo Minas Kuyumjian Neto),muitas delas de âmbito microeconômico, que vêm sendo há muito postergadas, preteridas por uma infindável série de ações paliativas que apenas transferem os problemas para as gerações – e os governos – posteriores.

Por que será que apenas os governantes não se apercebem – ou não se interessam – por realizá-las?

Com a palavra o amigo internauta.

 

 

Referências e indicações bibliográficas

BAWLY, Dan. The subterranean economy. New York, NY: McGraw Hill. 1982.

GISSARRI, Adrián. La Argentina Informal. Buenos Aires: Emecé Editores, 1989.

MCKINSEY Global Institute e MCKINSEY Brasil. Produtividade: A Chave do Desenvolvimento Acelerado do Brasil. 1997.

MCKINSEY Global Institute e MCKINSEY Brasil. Produtividade: A Chave do Desenvolvimento Acelerado do Brasil. Versão resumida com os sumários executivos, 1997.

PASTORE, José. Modernização das instituições do trabalho. São Paulo: LTr, 2005.

PRADO, Ney. Economia informal e o direito no Brasil. São Paulo:LTr, 1991.

SOTO, Hernando de. The Other Path. New York, NY: Basic Books, 1989.

______________. O mistério do capital. Rio de Janeiro: Record, 2001.

Referências e indicações webgráficas

http://www.cato.org/special/friedman/desoto/bio.html

ESTUDO mostra como os impostos emperram o crescimento do Brasil. Disponível em http://www.etco.org.br/midia.php?Id=129.

60% da economia do País está no setor informal, diz Kapaz. Disponível em http://www.etco.org.br/midia.php?Id=128.

SCHEINKMAN, José Alexandre. Uma tese sobre informalidade. Discurso de agradecimento por ocasião da entrega do Prêmio de Economista do Ano. Publicado no Jornal do Economista nº 193, de agosto de 2005 e disponível em http://www.coreconsp.org.br/.

SOTO, Hernando de. Most people can not participate.Disponível em http://www.cato.org/special/friedman/desoto/2001-10-30.html.