Economia comportamental em evidência

 

Richard Thaler é laureado com o Prêmio Nobel de Economia

“Para fazer uma boa análise em economia, deve-se ter em mente que as pessoas são humanas.”

Richard Thaler

 

Pinceladas iniciais

Com a concessão do Nobel a Richard Thaler, no dia 9 de outubro último, o Banco Central da Suécia, responsável pela indicação do Prêmio Nobel de Economia, reforçou o prestígio da linha de pesquisa conhecida como economia comportamental.

Antes de examinar especificamente as contribuições de Thaler, gostaria de fazer duas observações preliminares, referentes à premiação: (i) uma vez mais o Nobel de Economia foi concedido a um professor da Universidade de Chicago, aquela que foi mais vezes laureada com o referido prêmio; (ii) representou também, uma vez mais, o reconhecimento da relevância da economia comportamental, pela qual foram anteriormente laureados  Herbert Simon, em 1978, Vernon Smith e Daniel Kahneman em 2002, e Angus Deaton, em 2015, especialista numa ramificação da economia comportamental, as finanças comportamentais.

Ainda nessas primeiras pinceladas, creio que vale a pena fazer uma interessante observação acerca das peculiaridades da economia, notadamente no que se refere ao perigo das rotulações.

A Universidade de Chicago, que, como já mencionei, é uma das que mais vezes teve seus economistas laureados com o Nobel, é considerada reduto do pensamento liberal e, mais especificamente, da corrente monetarista. Nos meios acadêmicos, a expressão “Escola de Chicago” é na maior parte das vezes associada à corrente monetarista. No entanto, Robert Lucas, que revolucionou a teoria macroeconômica, recebendo o Nobel em 1995 “pela sua formulação da teoria das expectativas racionais sobre o comportamento dos diferentes participantes nas atividades econômicas”, adotou uma perspectiva bem diferente da monetarista, embora baseada na racionalidade das decisões dos agentes econômicos (homo economicus). Poucos anos depois, Vernon Smith, da mesma universidade, dividiu o Nobel de Economia com o psicólogo Daniel Kahneman, chamando a atenção para o fato de que nem sempre as decisões dos agentes são as mais racionais.

Economia comportamental

A economia comportamental, que possui uma série de ramificações, entre as quais psicologia econômica, finanças comportamentais, neuroeconomia e até teoria dos jogos, constitui-se numa linha de pesquisa que aproxima fortemente a economia e a psicologia. Carlos Eduardo Mauro, economista formado pela FAAP e que dirige o Laboratório de Economia Comportamental e Experimental (BEO Lab) da Escola de Negócios da Universidade Católica do Porto, em Portugal, em artigo assinado com a Profª Ana Salomé, alerta:

O comportamento humano é tão determinante para a economia, quanto a água é para a água de coco. “Ação Humana” e “Agente Econômico” são conceitos centrais na ciência econômica. Qualquer economista, na sua missão de explicar, prever e/ou alterar comportamentos humanos, tem de associar-se a uma concepção de agência humana. Os modelos e as políticas baseadas na concepção de agência racional, que produz inferências acerca de como os agentes pensam, as razões das suas ações, ou como vão agir, falham com frequência, pelo que deveremos ser permeáveis a pensamentos diferentes sobre o que leva os agentes a agir.

Na sequência, esclarece:

A economia comportamental fornece um conjunto psicologicamente mais realista de instrumentos de compreensão da ação humana, permitindo-nos explicar comportamentos previamente identificados como irracionais pela chamada Economia Neoclássica, que, diferentemente do que se imaginava, são frequentes, economicamente relevantes e previsíveis. Os economistas comportamentais olham os seres humanos, na sua dimensão real, para lá de paradigmas categóricos sobre a racionalidade e idealistas quando ao agente. Não dizem que somos irracionais, tampouco dizem que somos racionais de modo apriorístico e generalizado.

Em síntese, a economia comportamental questiona um dos princípios básicos da corrente econômica predominante na ciência econômica (mainstream), segundo o qual o agente econômico é um ser racional, perfeitamente informado e centrado em si próprio, um ser que deseja riqueza, evita trabalho desnecessário e tem a capacidade de decidir de forma a atingir seus objetivos.

A maior contribuição de Richard Thaler

Além de ter incorporado às suas análises econômicas pressupostos psicologicamnte realistas às decisões dos agentes econômicos, explicando que tais decisões são afetadas pela racionalidade limitada, pelas referências sociais e pela falta de autocontrole, Thaler desenvolveu a teoria da contabilidade mental, na qual fica clara a influência da neuroeconomia. De acordo com a contabilidade mental, as pessoas simplificam a tomada de decisões financeiras por meio de contas separadas em suas mentes, verificando sempre o impacto individual de cada decisão e não o efeito geral. Dessa forma, Thaler foi muito feliz ao descrever como organizamos e tomamos decisões criando contabilidades diferentes na nossa mente que, não raras vezes, nos enganam e nos fazem perder dinheiro.

Principais expoentes

 Afora os já mencionados laureados com o Nobel – Herbert Simon, Daniel Kahneman, Vernon Smith, Angus Deaton e, agora, Richard Thaler – a economia comportamental tem entre seus principais expoentes Dan Ariely, autor do best seller Previsivelmente irracional, Alain Samson, Chris Starmer, Shlomo Bernatzi e Dean Karlan.

Na aplicação da economia comportamental à formulação de políticas públicas, merecem destaque as contribuições de Cass Sunstein, Daniel Read e Nick Chater.

No Brasil, as professoras Flávia Ávila (UnB e ESPM) e Ana Maria Bianchi (FEA-USP), ofereceram enorme contribuição aos estudos da economia comportamental ao organizarem o livro Guia de Economia Comportamental e Experimental, reunindo contribuições de nomes destacados tanto no cenário nacional como internacional.

Vale mencionar, além dos autores incluídos no referido livro, as pesquisas e publicações do já citado Carlos Eduardo Mauro (radicado há anos em Portugal). E, por fim, mas não menos importante, para efeito de ampla divulgação muito têm contribuído as intervenções de Samy Dana no Jornal da Globo, baseadas nas finanças comportamentais.

 

 

 

 

Referências e indicações bibliográficas e webgráficas

 

ARIELY, Dan. Previsivelmente irracional: as forças ocultas que formam as nossas decisões. Tradução de Jussara Simões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

ÁVILA, Flávia e BIANCHI, Ana Maria (Organizadoras). Guia de Economia Comportamental e Experimental. São Paulo: EconomiaComportamental.org, 2015.

DAMOS importância demais ao presente (e isso é um erro): este Nobel explica o por quê. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/10/economia/1507644381_971684.html.

DELFIM NETTO, Antonio e ARAÚJO, Aloísio P. Robert Lucas, o Prêmio Nobel que todos aguardavam. Ideias Liberais, ano III, nº 38, 1995.

GUANDALINI, Giuliano. Um tapinha não dói. Veja, 18 de outubro de 2017, p. 64.

KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

MAURO, Carlos Eduardo e SALOMÉ, Ana. Economia Comportamental. Economistas, revista do Conselho Federal de Economia – COFECON, ano VII, nº 19, março de 2016, pp. 58-62.

Richard Thaler e a economia comportamental. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=PUojUi0bMyk.

Richard Thaler ganha o prêmio Nobel de Economia 2017. Disponível em http://www.cofecon.gov.br/2017/10/09/richard-thaler-ganha-o-premio-nobel-de-economia-2017/.

SHILLER, Robert J. e AKERLOF, George. O espírito animal: como a psicologia humana impulsiona a economia e a sua importância para a economia global. Tradução de Afonso Celso da Cunha Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

THALER, Richard e SUNSTEIN, Cass. Nudge: o empurrão para a coisa certa. Tradução de Marcello Lino. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.