Para entender e não repetir

 

“Depois do porre, a ressaca. Em curto intervalo de tempo o ‘momento mágico’ redundou no seu oposto: o momento trágico. O ‘espetáculo do crescimento’ deu lugar à pior recessão da nossa história..”

Eduardo Giannetti

 

Apaixonado por esportes em geral, e pelo futebol em particular, minha primeira ideia de título para este artigo era “tabelinha afiada”, inspirado nas maravilhosas jogadas dessa natureza da dupla Pelé e Coutinho do extraordinário time do Santos da década de 1960. Para dar um cunho mais abrangente à ideia, pensei em “dobradinhas (ou duplas) inesquecíveis”, tendo na memória, ainda no campo futebolístico, o narrador Pedro Luiz e o comentarista Mario Moraes, que marcaram época na crônica esportiva brasileira. Esse título também poderia se estender à música, em que tivemos duplas que fizeram enorme sucesso como Elis Regina e Jair Rodrigues, no Fino da Bossa, Roberto e Erasmo Carlos, na Jovem Guarda, ou, na Bossa Nova, Vinicius de Moraes e Tom Jobim, ou ainda Vinicius e Toquinho.

Qualquer desses títulos, que me remetem a saudosas memórias, serviria exemplarmente a este artigo, a não ser por um detalhe: todas elas lembram momentos felizes e memoráveis do esporte ou da música, ao passo que os dois livros objeto deste artigo remetem a experiências fatídicas, que conduziram o Brasil a um dos mais difíceis momentos de sua história.

Como estamos no início do ano, período de férias para estudantes e para muita gente que faz coincidir seu merecido descanso com o recesso de seus filhos, tomo a liberdade de utilizar o espaço deste artigo para sugerir aos amigos internautas a leitura de dois livros lançados na segunda metade de 2016 que têm como foco os descalabros cometidos pela presidente Dilma Rousseff na condução da política econômica, que acabaram levando ao seu afastamento da Presidência da República. A exemplo das tabelinhas de Pelé e Coutinho e do entrosamento das duplas mencionadas, os dois livros comentados a seguir também combinam muito bem, apresentando elevado nível de complementariedade.

Quando era intensa a polarização em torno do impeachment, o Conselho Federal de Economia publicou em sua revista Economistas, um artigo a favor do impeachment e outro contrário. No artigo favorável ao impeachment, de autoria do Prof. Reinaldo Gonçalves, há um quadro com 33 causas do impedimento, agrupadas em cinco grupos: individual e ética; econômica; social; política e institucional. Ao justificar o referido quadro, escreveu o professor do Instituto de Economia da UFRJ:

O Quadro apresenta um exercício de identificação da presença de causas para o impedimento de Dilma Rousseff no início de 2016. Por um lado, as evidências em relação às causas econômicas são conclusivas; por outro, as causas relativas às outras questões podem ser, em maior ou menos medida, controversas. Considerando essas ressalvas, no conjunto de 33 causas, há 27 com provas ou indícios a favor do impedimento, 5 contrárias e 1 controversa[1].

Confesso que ao tomar conhecimento do artigo – e do quadro – cheguei a me surpreender quando li que a causa controversa referia-se à capacidade física e mental da presidente. Achei, a princípio, exagerado. Minha impressão, porém, mudou consideravelmente quando concluí a leitura de Dilmês – o idioma da mulher sapiens, sensacional levantamento feito pelo jornalista Celso Arnaldo Araujo com base na documentação oficial da Presidência da República.

Feito este prolongado preâmbulo, vamos aos livros.

O primeiro, Como matar a borboleta-azul: uma crônica da era Dilma, é de autoria da economista Monica Baumgarten de Bolle, que atualmente é professora da School for Advanced International Studies, da Johns Hopkins University, e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics, além do colunista de O Estado de S. Paulo e de O Globo.

Apesar de possuir sólida formação acadêmica e dominar perfeitamente as ferramentas da matemática, da estatística e da econometria, que compõem o pilar quantitativo da formação do economista, a autora optou por um texto fluido e bastante acessível, tanto é verdade que não se encontra ao longo de suas 268 páginas qualquer gráfico ou tabela, tão comuns em livros desse tipo.

Ao fazer a opção por “crônicas”, Monica de Bolle revela uma sofisticada e abrangente formação cultural, recheando o texto com referências ou mesmo reproduções pinçadas na literatura, na música, no cinema ou no teatro. Consegue, assim, conduzir o leitor a uma interessantíssima viagem, na qual é possível acompanhar o agravamento da situação econômica do País de 2011 a 2016, um verdadeiro mergulho em direção ao caos.

O mesmo trajeto é narrado pelos autores do segundo livro objeto deste artigo, Anatomia de um desastre: os bastidores da crise econômica que mergulhou o país na pior recessão de sua história, de autoria de três destacados jornalistas que acompanham o dia-a-dia da economia brasileira, Claudia Safatle, João Borges e Ribamar Oliveira.

Com a competência exigida – mas nem sempre seguida – pelos integrantes da profissão, os autores refazem o trajeto em direção ao caos com duas importantes diferenças em relação ao livro de Monica de Bolle. A primeira é que o ponto de partida do relato se antecipa ao início do governo de Dilma Rousseff, mostrando em detalhes que os descaminhos começaram já nos dois últimos anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, embora já nesses momentos seja nítida a influência nefasta da futura presidente. Outra diferença consiste no fato de que mesmo sendo o texto muito bem redigido, ele se caracteriza pela precisão jornalística, resultando numa enorme quantidade de dados e registros documentais que tornam a leitura, naturalmente, mais complexa, exigindo, portanto, maior atenção do leitor. Por outro lado, neste livro ficam muito mais bem explicadas as razões que justificaram o impeachment, com excelentes explicações sobre “contabilidade criativa” e “pedaladas fiscais”.

Exatamente por possuírem características tão distintas, os dois livros se complementam tão bem, permitindo ao leitor de um que vá buscar os dados documentais ou as inspiradas metáforas e analogias no outro.

Será que seria demais esperar que depois de conhecer as barbaridades cometidas nesse período aprendêssemos de uma vez por todas como não conduzir uma política econômica?

Como escreveu Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central: “Faço votos para que esta experiência lamentável de fracasso do “pensamento alternativo” seja como a dos “choques heterodoxos”, que foram banidos do dicionário das coisas sérias em economia”.

 Só o tempo nos dará essa resposta. Boa leitura!

 

 

Referências e indicações bibliográficas e webgráficas

ARAUJO, Celso Arnaldo. Dilmês – o idioma da mulher sapiens. Rio de Janeiro: Record, 2015.

BOLLE, Monica Baumgarten de. Como matar a borboleta-azul: uma crônica da era Dilma. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2016.

FRANCO, Gustavo. Brasil continua a ser o país do futuro. Entrevista a O Financista. Disponível em http://www.financista.com.br/brasil-continua-a-ser-o-pais-do-futuro-diz-gustavo-franco.

GIANNETTI, Eduardo. Os bastidores do desastre. Eu & Fim de Semana, caderno especial do Valor Econômico, 18 de novembro de 2016, Ano 17, Nº 836, pp. 4-6.GONÇALVES, Reinaldo. Conjunto da obra. Economistas, revista do Conselho Federal de Economia – COFECON, Ano VII, Nº 20, junho de 2016, pp. 5-7.

MACHADO, Luiz Alberto. Crônica de um desastre anunciado – Crescimento negativo + inflação elevada. Disponível em http://www.portalcafebrasil.com.br/iscas-intelectuais/cronica-de-um-desastre-anunciado/.

SAFATLE, Claudia, BORGES, João e OLIVEIRA, Ribamar. Anatomia de um desastre: os bastidores da crise econômica que mergulhou o país na maior recessão de sua história. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2016.

 

 

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[1] O referido quadro pode ser visto em http://www.cofecon.org.br/revistas/2016/Revista%20Economistas%2020_Junho%202016.pdf.